Avenida
Vim hoje aqui a Lisboa
a julgar matar saudades
a vida não se fez boa
a quem fugiu prá cidade.
Vim hoje aqui a Lisboa
a julgar matar saudades
a vida não se fez boa
a quem fugiu prá cidade.
as saudades não se matam
porque logo nascem mais
mas as vozes nos desatam
e fazem de nós pardais.
Estou na Baixa...e os meus olhos
não vêem prédios nem chão
só vêem dores, mares d’escolhos
a esbarrar na multidão...
lá anda gente a correr
pela vida aos tropeções
lá estão outros a vender
miséria em sonho, aos milhões
e o pobre pé descalçado
não incomoda ninguém
tão visto já, resfriado...
e nascido de uma mãe!
Não me quero ir já embora
tenho ainda muito que ver
mesmo que me doa agora
eu não me quero esquecer.
que se nascemos com olhos
é para ver as montanhas
de injustiças e de escolhos
que ao homem rasga as entranhas!
Lá vai o miúdo roto
leva as mãos nas algibeiras
com ar gaiato e maroto
dizendo duas asneiras...
mas dentro, lá bem no fundo
andam versos a nascer
e é por ser filho do mundo
que anda por aí a sofrer...
essas palavras que larga
a desafiar a populaça
são feitas da dor amarga
que mesmo pequeno passa.
E agora aqui ao lado
está um ceguinho a tocar
a pensar também ser fado
andar com fome a cantar.
Agora aí vou eu
aqui está Martim Moniz
quanta gente a quem mordeu
outra, rica, má, feliz.
E os meus passos no dia
feito da noite brutal
vão comendo poesia
no homem que vive mal.
Enquanto sigo dorida
a olhar o «temporal»
vou subindo a Avenida
mas firme, no «vendaval.»
Já cheguei ao Intendente...
Por entre a gente séria
quanta infeliz que mal sente
que não tem mais que miséria!
quanta infeliz que mal sente
que não tem mais que miséria!
Ai ó senhoras honradas
que me apetece insultar...
as vidas despedaçadas
nascem do vosso luxar.
às que passam sem sentir
por quem chora como nós
e se olharem a sorrir
as mais perdidas sois vós!!!
Porque quem vive diferente
se a porta não viu fechada
prá vida passar decente
não lhe custou mesmo nada!
...São filhas da noite escura
dum estado podre de velho
e esta ferida que ainda dura
é o seu mais fiel espelho!
Mais uns passos, finalmente
eis chego à praça do Chile.
Ó povo depressa ó gente
façamos mais um ABRIL!!!
Marilia Gonçalves

Mariana Refachinho
Que sentido e encantador...parabéns!
Orlando Adrião
Belíssimo poema da tua visita à cidade de Lisboa, é um bom guia turístico. Beijinhos amiga
Sem comentários:
Enviar um comentário