Oceano de ardentia
rubro mar ao sol poente
enquanto a vida seguia
a tropeçar na corrente.
Oceano maré vaza
meus olhos а beira-mar
recordam a minha casa
a minha infância a cantar.
Marília Gonçalves
Oceano de ardentia
rubro mar ao sol poente
enquanto a vida seguia
a tropeçar na corrente.
Oceano maré vaza
meus olhos а beira-mar
recordam a minha casa
a minha infância a cantar.
Marília Gonçalves
Sei o que sente o mar
quando adormece
depois de fúria constante
sei-o porque me parece
ser eu o mar neste instante.
Também temporal bravio
arremessei contra as fragas
minh’alma a tremer de frio
incompreensão das vagas.
Sei-o porque adormeci
depois da árdua batalha.
Nunca, nunca vi
o sol que pelo ar espalha
essa vibrante vontade
inebriante desejo.
Dorme em mim a ansiedade
oceano а beira Tejo.
Marília Gonçalves
Ala
a alma
em alarido
cala
a calma
principia
o caminho
construído.
Ala
a alma
de fugida
contra
a morte
pela vida.
Ala
a alma
num sorriso
ala
a fala
e faz
o mundo
preciso.
Ala
a alma
ala bem
que grande alma
a gente tem.
Marília Gonçalves
No sol de Janeiro
há lâminas em gelo
lágrimas de luz
tecidas pelo frio
silêncios polares
oceânicas vozes
sombras que despertam
dentro da manhã.
Olhar transparente
memória de alegria
cânticos desfeitos
pétalas rosadas
memória, luar.
poema pressentido
em dedos luminosos
numa asa de neve
a gelar o olhar.
Marília Gonçalves
Raros mediram o sol
na chuvada que se irisa
em cantata verdejante
ou fragrância apetecida?
raros mediram o sol
num diâmetro de vida?
Marília Gonçalves
Penetra-me os sentidos
inebria-me
vem viajar comigo
em mundos insuspeitos
transforma meu sonho
em teu sonhar.
Vamos acostar a novos portos
onde está preso teu olhar.
tens lágrimas de acenos invisíveis
ancoradas ao cais da beira mundo.
eu, gestos impossíveis
do amor em que me afundo.
Marília Gonçalves
Acenam árvores
ao meu universo
mundo interior
em cantos disperso.
Acenam tão brandas
em voado gesto
como velas pandas
no mar sem protesto.
Enquanto observo
a suave voz
os versos que escrevo
extravasam de nós.
Marília Gonçalves
Nem sempre o sangue é vermelho.
às vazes é transparente
lágrima
em oceano de gente.
outras é verde é esperança
de mundo irmão, diferente
cor de sol de confiança
que circula eternamente.
Azul sim, quando é de tinta
a imprimir no papel
a marca de quem o pinta.
por mais diferente que seja
no sonho de todos nós
há ele grito que alveja.
Nem sempre o sangue é vermelho
nova maneira de olhar
no mundo caduco, velho
a nova forma de estar.
Marília Gonçalves
Na quietação do matagal diurno
o olhar interroga continentes
alicerce de sonho incorpóreo
volúpia inexistente
incêndio, incenso
cristal em fusão
gesto traduzível
vibrátil
aérea espuma olhar infantil.
Marília Gonçalves
Na quietação do matagal diurno
o olhar interroga continentes
alicerce de sonho incorpóreo
volúpia inexistente
incêndio, incenso
cristal em fusão
gesto traduzível
vibrátil
aérea espuma olhar infantil.
Marília Gonçalves
A SOFRER ACUSO
Sinto na hora que chega
a negra deusa que vem
com força se me apega
num sono que sabe bem.
Sinto-a envolver-me nos braços
cadavéricos gelados
apertando mais os laços
que estes que só vi quebrados.
Apertando-os de tal jeito
de tal forma, com paixão
que sinto gelar-me o peito
preso já na sua mão.
Hoje na despedida
sem ninguém que me socorra
digo adeus à minha vida
como a rio que à pressa corra
e ninguém pode deter
ou tem força pra travar...
a água tem de correr
depois do dique estoirar.
Por isso na minha voz
a seguir-me sempre honesta
deste crime, acuso, vós
a viver de sangue, festa.
Vós a viver de mentiras
a viver de falsidade
a ti que o amor me tiras
a ti pelas tuas vaidades.
A ti pelo pão que roubaste,
pelo livro que nunca li...
que em pequena mo fechaste
a ti, a ti, a ti!
Com consciência como eu
que atropelada também
só odiei quem mordeu
sem mal querer a mais ninguém.
Nesta minha acusação
feita à nossa sociedade
possam encontrar lição
detendo-vos na maldade...
evite a outros como eu
dor e rasgões sem ter par...
pensa, podes hesitar...
O mundo não é só teu
A vida é feita p’ra amar!
Marília Gonçalves