Cara(o)s amiga(o)s
Mais uma vez
dizemos presente, na evocação do “dia inicial inteiro e limpo”, como afirmou Sophia
de Mello Breyner.
Mais uma vez
dizemos presente, para reafirmar a nossa alegria, pelas “portas que Abril
abriu”, como disse Ary dos Santos.
Estamos aqui, para
reafirmar a nossa convicção de que valeu a pena! Para reafirmar, se ainda é
necessário, que não estamos arrependidos!
Sim, não nos
confundamos! Não permitamos que nos confundam!
Como é possível
haver quem diga que hoje estamos pior que antes do 25 de Abril? Apesar das
enormes dificuldades que atravessamos, apesar de Portugal se afastar cada vez mais
do que sonhámos em 1974, o país que hoje temos é incomparavelmente melhor do
que o que tínhamos há 37 anos.
A responsabilidade
do actual estado de coisas, da situação de crise que Portugal atravessa não é
do 25 de Abril!
Não é no acto
fundador da democracia – onde a Liberdade e a Paz deram as mãos para terminar
com a repressão e a guerra, para abrir as portas ao desenvolvimento e à
independência de novos países – que estão as causas dos males de hoje!
Não é devido ao 25
de Abril que nos confrontamos com uma lógica de facilitismo e de benefício do
interesse privado, em detrimento do interesse público.
Não foi o 25 de
Abril que promoveu o individualismo e a especulação, que não combateu
eficazmente a corrupção e a evasão fiscal, permitindo a transferência de
activos do sistema público para o sistema privado.
Não foi o 25 de
Abril que permitiu que o poder económico capturasse a maioria dos dirigentes
políticos, permitindo a promiscuidade entre o público e o privado, sempre em
detrimento do que era público.
Não foi o 25 de
Abril que permitiu ao poder económico a aquisição e o controlo da comunicação
social.
Não foi o 25 de
Abril que permitiu a captura da democracia política e a estagnação da crítica,
o que só favorece o crescente fosso social, entre os que mais têm e os que são
cada vez mais pobres e desfavorecidos.
Não foi o 25 de
Abril que provocou a colonização do estado e das empresas públicas pelos
aparelhos partidários do chamado arco do poder.
Não está no 25 de
Abril a origem do falhanço estrondoso da nossa classe dirigente e dos
principais políticos, que continuam a dar um triste espectáculo de guerrilhas
internas e ataques mútuos, incapazes de equacionar os reais problemas do país e
de mobilizar os cidadãos para uma resposta adequada.
Não, não podemos
culpabilizar o 25 de Abril pela contínua atitude dos responsáveis políticos
que, com a sua acção desbarataram a nossa confiança, destruíram esse bem
precioso e vêm demonstrando não estar à altura das funções para que foram
escolhidos.
O que nos coloca
numa situação verdadeiramente dramática: a
perda de confiança dos cidadãos nos seus dirigentes é bem mais perniciosa do
que a dívida pública!
Que, como primeira
consequência provoca o alheamento dos cidadãos da vida pública.
A responsabilidade
dessa situação não pode ser atribuída ao 25 de Abril.
Essa
responsabilidade cabe-nos a todos, pois temos sido nós que, pela acção ou pela
abstenção, temos escolhido os responsáveis políticos que nos trouxeram a este
estado de coisas.
Por isso, para
ultrapassarmos a actual crise, temos de ser capazes de alterar as nossas
atitudes. Todos, e cada um de nós, somos responsáveis, cabendo-nos participar
no encontrar de soluções!
Se aos dirigentes é
exigível que sejam exemplo de competência e de dedicação à causa pública,
homens e mulheres respeitados e de mãos e passados limpos – sem autoridade
moral não é possível a mobilização de vontades – a cada um de nós é exigível o
nosso não alheamento.
A nossa História,
de quase mil anos, diz-nos que em tempos de crise somos capazes de encontrar
soluções. Confio que, mais uma vez, vamos conseguir!
Há 37 anos, se
fosse hoje, poderíamos dizer que estávamos à rasca: enfrentávamos a ditadura, a
guerra sem solução à vista, o atraso atávico.
A nossa geração foi
capaz de resolver a situação. Fê-lo, numa perspectiva global e não geracional.
Também agora,
quando os problemas por enormes que pareçam são bem menores, esta geração vai
ser capaz de encontrar as soluções.
Não através de uma
ruptura violenta, como foi o 25 de Abril, mas através do aprofundamento e do
melhoramento das práticas que a Democracia nos permite!
Se a Democracia não
é um fim, mas apenas um instrumento, não pode ser vista como o problema.
Ela própria tem
problemas, mas os problemas da democracia resolvem-se com mais democracia.
Por isso, temos de
ser capazes de melhorar a nossa democracia, temos de ser capazes de obrigar os
nossos representantes no poder político a não se afastarem e a não nos
renegarem depois de eleitos.
O eleito tem de ter
uma permanente preocupação com o que o eleitor quer dele, com os seus anseios,
as suas necessidades. O poder não é do eleito, mas sim do eleitor, que apenas
lho outorga temporariamente. Por isso, o eleito não pode, uma vez escolhido,
vender-se a outro qualquer poder, nomeadamente ao poder económico e financeiro.
Hoje, os eleitos já
não representam a sociedade portuguesa, por isso temos de ser capazes de mudar
a situação: quer através de uma maior participação nas escolhas, que impeçam
que o Presidente da República tenha sido escolhido por menos de 25 por cento
dos eleitores, quer através de um maior e melhor controlo da acção dos eleitos.
Já se provou que estes não podem ser deixados em “roda livre”, temos de ser
capazes de encontrar fórmulas de uma melhor prestação de contas, por parte
deles, e de um mais eficaz controlo da nossa parte.
É tempo de
chamarmos à responsabilidade quem, tendo-a não cumpre os deveres que essa mesma
responsabilidade lhe impõe.
Se em 1974, os
militares de Abril aceitaram dar o monopólio da representação parlamentar aos
partidos políticos, pois havia que dar-lhes condições, face ao passado da
ditadura, para se implantarem na sociedade portuguesa, já era tempo de esses
partidos políticos saírem do reduto que criaram e dar oportunidade a que outras
organizações menos burocráticas e pesadas, nomeadamente grupos de cidadãos,
possam discutir e concorrer à representação parlamentar.
Temos de ser
capazes de fazer frente ao autêntico cambão praticado pelos partidos, com vista
a não largarem o monopólio do poder.
Não tenhamos
dúvidas: a corrupção, o compadrio, o lobismo corporativo e a abjecta mistura e
dependência entre o poder político e o poder económico/financeiro parasitário –
parasitário porque não é produtivo – não são mais do que resultados do
sequestro da democracia portuguesa por aparelhos partidários fechados sobre si
próprios que, sistematicamente, procuram inibir a participação política dos
cidadãos e, até, dos seus próprios militantes!
Considero que está
nesta profunda degradação da prática democrática a verdadeira origem da crise
nacional que Portugal atravessa.
Basta ter presentes
as sucessivas decisões erradas na condução do país, na adopção de um modelo de
desenvolvimento dependente que desbaratou as energias e as potencialidades
nacionais e nos tornou reféns de intoleráveis poderes económicos e financeiros
externos.
Sabemos como o
passado tem demonstrado que não é fácil convencer os detentores do poder a
largá-lo e a entregarem-no à comunidade.
Por isso, a acção
dos militares de Abril, autêntica excepção nessa matéria, continua a ser tão louvada
e continua a ser razão do nosso enorme orgulho.
Os partidos, que
são essenciais para a democracia, não vão abdicar do poder que têm! Por isso,
temos de ser nós, com a nossa acção cívica, que temos de quebrar as barreiras
em que eles estão entrincheirados e obrigá-los a novas formas de praticar a
democracia.
Se o actual poder
político há muito que não representa o país, não serão as próximas eleições que
irão alterar essa situação.
Temos de acabar com
a actual “falácia eleitoralista”. A regularidade de eleições não chega para
garantir a qualidade da democracia. As outras componentes da democracia –
liberdade, igualdade e responsabilização – têm de ser possíveis e praticadas.
Estamos certos que
alguns irão procurar, a partir da Assembleia da República eleita, legitimar a
rendição nacional à ditadura dos “mercados”.
Por considerar que,
nas actuais condições, a Assembleia da República não representará efectivamente
os portugueses, queremos aqui proclamar que o povo português, verdadeira e
única fonte de soberania, não concede a essa Assembleia da República,
independentemente da composição que venha a ter, o poder de entregar a Soberania
Nacional, tendo, ao contrário, o dever e a responsabilidade de se opor
firmemente a tais desígnios.
Que fique claro que
não aceitaremos soluções que aumentem desproporcionalmente os sacrifícios e o
sofrimento dos que são já os que mais pagam e os mais desfavorecidos.
E assim, estou
certo, contribuiremos para o aperfeiçoamento dos partidos que, sendo essenciais
à democracia, não podem continuar como escolas de grupos de conquista do poder,
tendo de voltar à sua condição de escolas da democracia. Colocando à cabeça o
interesse nacional e não o interesse partidário.
Na prática da
democracia, a campanha de ideais não pode ser substituída pelo marketing
político.
Temos de impor aos
partidos políticos que sejam capazes de gerar dirigentes credíveis, que saibam
o que é o serviço público e sintam o que é servir a causa pública. A natureza
de muitos, formados nos corredores do poder e nos jogos do calculismo
partidário, dos interesses pessoais ou de grupo, não prestigia a ideia de democracia
e de serviço ao país.
Nós não podemos
alhear-nos.
Temos de votar,
para demonstrar que não abdicamos dos nossos direitos democráticos. Mesmo que,
se não quisermos escolher qualquer dos partidos que se apresentam disponíveis,
votemos em branco! Isto não é um apelo ao voto em branco. Quem disser o
contrário está de má-fé! Acima de tudo, temos de votar e gritar presente!
Não podemos abdicar
da nossa intervenção cívica.
Mesmo que
anteriores experiências, em eleições doutro tipo, tenham dado origem a enormes
desilusões, apenas porque aqueles em que apostámos, rapidamente se deixaram
comprar por um ou outro partido.
Os movimentos
cívicos têm de desenvolver-se à volta de ideais e não à volta de
personalidades, por mais insinuantes que sejam!
Não irei aqui
apontar soluções, elas terão de aparecer como resultado de um profundo e
alargado debate. Que a Associação 25 de Abril se propõe dinamizar.
Temos de ser
capazes de introduzir os peões, isto é, os cidadãos, no xadrez político!
Se a democracia
está aprisionada, nós temos de ser capazes de a libertar!
Atravessamos uma
profunda crise. Porventura, bem maior do que a que vislumbramos a olho nu.
A actual crise
ultrapassou já o quadro de uma gradual degradação de valores, de crise
económica, financeira e governativa conjuntural, para se transformar numa crise nacional que põe em causa a
unidade da nação e a nossa sobrevivência como Estado soberano.
A unidade da nação
está posta em causa pelo alto nível de desigualdades sociais a que chegámos,
polarizando, de um lado, uma cleptocracia que de toda a maneira se foi
apoderando dos recursos nacionais, da riqueza produzida e dos recursos
financeiros da União Europeia e, por outro lado, uma imensa maioria de
excluídos do trabalho social, de trabalhadores e das classes médias cada vez
mais sujeitos a processos de pauperização e de insegurança face ao futuro, com
especial incidência na juventude.
Por isso, por mais
apelos à unidade que se façam, não duvidemos: sem uma efectiva coesão nacional,
não haverá solução possível!
Quanto à nossa
sobrevivência como Estado soberano, ela está em causa porque os sucessivos
poderes nacionais não souberam ou não quiseram conservar as capacidades mínimas
de decisão e de poder nacional que evitassem que ficássemos, como estamos hoje,
submetidos à dominação do capital financeiro internacional que nos quer
escravizar pelas dívidas e pela dependência económica.
Queremos aqui
proclamar que não aceitamos que Portugal passe a ser governado por uma comissão
administrativa de representantes desse capital financeiro internacional e que
consideraremos sempre como nossos, portugueses, os recursos que agora nos vão
querer subtrair a coberto de privatizações impostas!
Essa crise não terá
tido origem apenas em Portugal, fruto de erros dos responsáveis políticos nos
últimos 25 anos (pelo menos…).
Sabemos bem da
enorme influência que a crise internacional teve na situação que se vive em
Portugal.
A corrupção, com
que o poder económico e financeiro comprou o poder político, não é exclusivo de
Portugal.
O domínio que o
financeiro exerceu e exerce, como há bem pouco tempo pudemos constatar em
Portugal, sobre o poder político, esteve na origem da crise, mas permitiu aos
responsáveis que saíssem da mesma a rir-se e estejam a encher-se cada vez mais.
Não podemos
permitir que isso continue a acontecer.
O sistema que nos
levou à crise não pode ser o mesmo que irá resolvê-la. Isso, apenas adiará o
problema!
Num momento em que
a Europa, com que muitos sonharam, está a falhar, não podemos permitir que os
poderosos dessa Europa que, aparentando ajudar-nos, nos vêm explorando, agora
nos utilizem como carne para canhão!
A responsabilidade
do malbaratar das ajudas recebidas não pode ser atribuído apenas aos
responsáveis portugueses. A Comunidade Europeia impôs-nos regras que então se
aceitaram, obliterados pelas enormes quantidades de dinheiro que entraram. Não
foi só Cavaco Silva que fomentou o fim das pescas, da agricultura e da
indústria. Os europeus usufruíram do que então impuseram. Por cada euro que
entrou – foram muitos e mal empregues! – a Comunidade Europeia recebeu o dobro
de troca e, agora, não pode eximir-se às responsabilidades.
Mas, para que isto
seja possível, temos de ser capazes de alterar o actual modelo.
Para que os nossos
políticos sejam capazes de recuperar para Portugal alguma capacidade de
decisão, deixando de ser apenas objecto e não sujeito do processo, têm de
deixar de estar subordinados ao poder económico/financeiro.
Têm de voltar a
prestar contas aos eleitores e não ao mercado, por quem os substituíram. Os
políticos não podem continuar apenas a preocupar-se com o mercado e os poderes
exteriores, que lhes garantem o futuro, no pós-poder!
Só assim,
voltaremos às práticas que nos poderão levar a uma verdadeira democracia de
Abril. Onde as assimetrias sociais têm de diminuir drasticamente, acabando com
uma sociedade tremendamente injusta!
Para isso, o
sistema de distribuição do rendimento produzido terá de ser radicalmente
alterado!
A mudança que a
crise nos impõe tem de ser uma oportunidade para alterar o que está mal e nos
levou ao actual estado de coisas.
Temos de inovar,
mais do mesmo não resolve!
Por isso, em 25 de
Abril, mais do que dizer não, temos de dizer SIM!
Sim a uma sociedade
assente nos valores de Abril: Liberdade, Democracia, Paz, Justiça Social,
Solidariedade.
Onde, além de afastarmos
a hipótese de nos deixarmos transformar numa colónia de interesses
estrangeiros, consigamos eliminar algumas das enormes distorções que a nossa
sociedade comporta. Como entender que, enquanto os trabalhadores portugueses
ganham bastante menos que os seus homólogos europeus, se passe precisamente o
contrário no que respeita a gestores? E, como aceitar que as operações
financeiras e a actividade bancária continuem a não ser devidamente tributadas?
Sem terminar com
essas situações, não serão aceitáveis quaisquer novos sacrifícios que venham a
ser pedidos ao povo português!
As desigualdades
são extraordinariamente corrosivas para a sociedade. Por isso, repito, sem uma
efectiva coesão nacional, não haverá solução possível!
Com a nossa acção,
de todos e de cada um, combatendo o individualismo e o novo corporativismo,
vamos ser capazes de vencer esta crise!
A esperança não nos
falta, assim não nos falte a convicção e a força!
Viva o 25 de Abril!
Viva Portugal!
Lisboa, Abril de
2011
Vasco Lourenço