Nenhuma pedra me prende
nem a sombra me segura
enquanto houver tanto verde
no fundo da água escura.
Marília Gonçalves
Vórtice
Tempo de tempos perdidos
vórtice de paisagem nua
onde passeia o poema
com espelhos d' alma e de rua?
Tempo a verter sinfonia
das águas a inventar
as cintilações do dia.
quando o dia sabe a mar
Marília Gonçalves
De Eros a Vénus
Se até interior pele é simpatia
se vertem água frutos de outra luz
se nasce em turbilhão a luz do dia
se os céus hoje sangue eram azuis
Se as mãos acenam gestos invisíveis
os olhos tocam paisagens nunca vistas
sobre colinas de formas indisíveis
tombando em corpos na febre das conquistas
Se o corpo traz a marca do levante
a perfurar o âmago do dia
a desfazer a hora deslumbrante
em que o vencedor ganhando, se rendia
Se houver nas bocas a espuma do combate
nos braços uma garra que detém
o dia entre laços de vazante
a ir sempre mais longe, mais além
Não procures respostas à pergunta
de quem quer perceber até ao dia
e vê apenas a gruta que te afunda
em fúria! Em temporais! Em poesia.
Marília Gonçalves
Licor
Bom dia meu amor
é primavera
nascem em Maio as flores
ao teu sonhar
caem estrelas a rir
no lago imenso
cantam as águas
é doce o teu olhar
Quem viu ser vindimada a primavera
mas eu sei o licor e os teus lábios
é Maio e nasceu uma outra era
na inocência de teus gestos sábios.
Marília Gonçalves
Bebo a luz, a luz inteira
é imensa a triste sede
que me fez desta maneira
ser relógio de parede
sem o ritmo o compasso
os dias passam iguais
corpo invisível no espaço
sorvendo espaços iguais
mas nunca a sede se acalma
e vou escrevendo poemas
a procurar a vontade
parindo manhãs serenas
e quando uma estrela faz
seu adeus universal
em vez de beber- lhe a paz
bebo a sua luz final.
Marília Gonçalves
étoiles doubles chaudes,
FINAL
Era uma forma um indício
Quando a febre
Me deixava
Na vida que me prendia
A manhã clareava
Música acontecia.
Era uma forma um indício
Uma flor a amadurar
Uma asa, um precipício
Corpo morno a rebolar
Minha saia entreaberta
Poente d’entontecer
Palavra na descoberta
Em rubro fogo a arder.
Marília Gonçalves
Febre
Quando a noite abisma meus sentidos
Levando-os além frestas de luar
O grito que se funde no silêncio
É urdido em sal estrelas mar
Atravesso desertos insuspeitos
Onde pairam asas por voar
troncos retorcidos e desfeitos
Lembram densos silvos de abafar
Trepida então a noite mais sombria
Adensam-se sombras e pavor
A noite ardente, de repente fria
Não tem ecos de amor
Incerta solidão invade o espaço
Saturada das vozes do silêncio
O ar é escuro e baço
o deserto e tudo quanto penso
Vai tendo a forma desse vulto imenso
Marília Gonçalves
( no hospital,,com a morte à espreita, foi por pouco,
muito pouco,nenhum médico acreditava que pudesse
salvar-me, a família foi chamada de urgência à minha
cabeceira, para a despedida, minha filha mais nova,
soluçava e contou-me depois, que nesse momento,
pensava: ainda bem que a mãe, não percebe
que vai partir, mas d’entre as minhas dores,
erguia-se o meu sorriso de ternura, o último grito
de amor que lhes queria deixar, mas...
estava a perceber tudo e bati-me pela vida
a ajudar médicos e enfermeiras.
Extraordinário pessoal clínico! )
e ainda aqui estou e a Vida é linda!!!
Marília
poemas de amor.
Deixar palavras fluir
Vindas do meu interior
Pra vê-las aos poucos ir
Fazer poemas de amor.
Fazer versos, como luz
Iluminando o caminho
Trazendo no coração
Estrelas de sede e um espinho.
Marília Gonçalves
Hoje sou égua d’água marinheira
vento a contar o longe do presente
em simultâneo, negra flor nascente
Navegam-me mares doutra coragem
marés de fumo enlaçam a imagem
do rumo a esbater-se junto à praia.
Mas quando piso terra firme
tem início o espanto da viagem!
Marília Gonçalves
Luz do tempo
movimento
a gargalhar dias bons
andam farrapos de vento
desfeitos em meios tons
luz na hora
luz esvoaça
luz que passa.
Marília Gonçalves
Cântico
de Amor