O poente adormecido
tem a memória das árvores
acenando ao universo
a lembrar-se de certeza
de símbolos velhos perdidos
com raízes de homens mortos
e curvas de luz nos rios.
O poente adormecido
tem a memória das árvores
acenando ao universo
a lembrar-se de certeza
de símbolos velhos perdidos
com raízes de homens mortos
e curvas de luz nos rios.
Marília Gonçalves
Esqueceram as acácias
sopro vermelho do vento
olhos cansados de caminho.
Marília Gonçalves
Combs la Ville- Résisende les Acacias
notre
Há acenos nos braços do abeto
e do cedro do Líbano
mole ar a cotar o dia
entorna verde na cinza
sangue ignorado na distância
enquanto a Palestina tenta abrir
a Pátria da sua infância.
Marília Gonçalves
A Aveiras, Casais das Comeiras
Pinhal da minha infância
acende-se a memória
da manhã de azul perfumada
eu perdida no caminho
regresso à tua estrada.
vou colhendo maçãs pinhões e pêras
doutro peso valor
surgem a cintilar vindos das eras
inocentes de amor.
A água de teus poços
nascente idealizada
carro de bois, charneca incendiada.
A voz do tempo
ecoa musical em suave perfume
na menina que tinha a alma boa
em seus olhos de lume.
Apagou-se a fogueira da infância
é extinto fogo seu
enquanto me chega na distância
o som que se perdeu.
Marília Gonçalves
Desfilam as aves
a chegar em bando
à paz da aldeia
o arvoredo
murmura em segredo
à luz da candeia.
Alto campanário
assiste à chegada
do carro de bois
no meigo cenário
escurece depois.
Pequenos casais
moradas antigas
onde nossos pais
viram nossas mães
serem raparigas.
Aldeia serena
de paz e ternura
que tive em pequena
hoje é a lonjura.
De tanta harmonia
saudade ficou
escorre poesia
do que já passou.
Marília Gonçalves
Há ladeiras e incêndios
na mansidão dos pinheiros
ou poesia compêndios
(os meus amores verdadeiros).
Há laranjas onde a rima
tem o sumo de vinhedos
situados mais acima
entre Aveiras e os Penedos.
Menina do olhar terno
a badalar emoção
nós poemas dum caderno
escrito a sangue, coração.
Estremecimento de febre
onde luz forma beleza
desmoronando o casebre
da dúvida da incerteza.
O mundo sorri é bom!
há-de sempre melhorar
se sou poeta por dom
hei-de rasgar-me a cantar.
Canto de amor onde grito
o mundo que trago em mim
a ser cultivado escrito
até chegar o meu fim.
Marília Gonçalves
Brilharão campos
ao trigo de teus olhos
a semear o poente
sombras hão-de abrir
como asas
a roçar brancos muros
ou as casas.
Marília Gonçalves
à Elisa
Bocas nós pés
vozes nas mãos
vazas marés
de teus irmãos.
Rápido gesto
voa cortando
mudo protesto
do como e quando.
A arrastar
dias, passos
seguem voando
entre teus braços.
Ondas do mar
búzio rumor
onde anda Elisa
o teu amor.
A lua é minha
tu fita o sol
canta no voo
do rouxinol.
Marília Gonçalves
Após a leitura de “A Viagem” de Castro Seromenho
Segui viagem
fui travessia
na vossa coragem
de noite e de dia.
Fui africana
no mato na dor
tive uma catana
com uivos de amor.
Fui o vosso riso
pela vossa mão
fui a escorrer mágoa
fui pelo sertão
estorcidas raízes
nos braços da água.
Fui tão vossa irmã
e tão humilhada
que em versos levanto
África de hoje
maior que meu canto
Marília Gonçalves