Que saudades avózinha
dos contos que me contavas
quando eu ainda menina
nada sabia do tempo
e soltava minhas asas
entre sonho pensamento.
Na tua voz me embalavas
os contos brandos macios
na voz em que mos contavas
era entre grave, serena.
A tua mão branca fina
poisava sobre a morena
cabeleira da menina.
Sentada numa cadeira
feita por teu irmão Zé
que conhecia a maneira
de transformar de moldar
com arte, sabedoria,
dos que domam a canseira
a fazer de noite o dia-
sentada nessa cadeira
teu conto era mais verdade
havia na brincadeira
algo de seriedade.
No agrado de meus olhos
ao sorrirem para ti
não inventavas passado
e o futuro era ali.
Presa nas tuas palavras
no azul que havia em ti
brincavam as tranças loiras
que ainda tens na memória...
teu conto era a vida inteira
tua vida, minha historia.
Os anos foram passando
mas vejo o mesmo sorriso
a pairar sobre meu leito...
Meu pequeno paraíso
no teu quarto branco estreito
onde havia o mais preciso.
Ainda hoje estás sentada
na mesma eterna cadeira
embalo da meninice
a minha vida primeira:
A ternura do sorriso
que voltavas para mim
transportou-me a sábio mundo
onde o sonho principia
e começa o imaginário.
A volta do tempo ido
é que me trouxe ao que sou
entre o riso ou o gemido
o meu olhar não mudou.
Vejo tua mão na minha
acariciares-me a testa.
Ó minha querida velhinha
ser menina era uma festa.
Agora mulher e mãe
a tua lembrança doce
o teu vulto ao pé de mim
constroem meu dia de hoje...
A fazer-me ser assim!
Marília Gonçalves