És na noite silenciosa
o som que me despertou.
Que culpa tenho eu
se o que trago por dentro
tem da voz da ternura
o desconcerto
Eu forte como a lua
Impávida serena
aos uivos da paisagem
dos lamentos de cão
despedaço-me nua
à voz da emoção.
Marília Gonçalves
Pertenço toda ao tempo
que nada tem de meu
nem voz nem movimento
mas se pertenço ao tempo
porque é que me perdeu...
Marília Gonçalves
Minha noite deslumbrante
nesse regresso ao passado
onde sonho triunfante
é o meu cavalo alado
Minha noite deslumbrante
nesse regresso ao passado
onde sonho triunfante
é o meu cavalo alado
que me revolve no tempo
na viagem para trás
a esse dia distante
da inocência na paz
em que toda a fantasia
é feita de riso e cor
a espelhar a harmonia
de simples gestos de amor.
Marília Gonçalves
O desenho é inocente
quer na forma quer na cor
Imaginação somente
a transformar pormenor
d’imagem ignorada
na voz que morre de amor.
Marília Gonçalves
O amor é palavra sublime
o drama é ser palavra apenas
e não brotar espontâneo
em nossos corações
é ser grande palavra
pra forças tão pequenas.
Marília Gonçalves
Depois de falar contigo
eis-me a tentar desfolhar
cada sentido escondido
que na frase pode estar
vou-a guardando em memória
palavra atrás de palavra
a imaginar a história.
Marília Gonçalves
Lamenta sim porque me perdes
porque o que eras pra mim
não serás mais
não volto à estrada que deixei
nem procuro caminho no amor que dei.
Inventa novas lágrimas
rasga teu desespero
pelo que perdes hoje
nem tu terás consciência
de medir a ausência
do amor que te foge.
Podes soltar teu grito
a libertar a dor
até ao infinito
o que tu crês maior
não cabe meu amor
nesse espaço restrito
e perdes este amor!
Marília Gonçalves
Corcel
Cavalga nuvens de neve
são os meus sonhos perdidos
a voar longe ao de leve
em sonhos por ser vividos.
O alvíssimo cavalo
trepa salta sem canseira
sobre nuvens tempestades
a saltar de tal maneira
ficou transformado em sonho
por asas que lhe inventei
esse mundo onde deponho
a luz que nele criei
Marília Gonçalves
Quando me ardem olhos a chorar
só o verso me liberta
a noite imensa sem passar
sem sino continuo alerta.
Nada sossega em mim
o pensamento na distância
traz o que magoa
a noite’continua sem ter fim
sem sono eu, continuo à toa.
Silêncio envolve o pesadelo
só oiço relógio na cozinha
estendida a solidão é ao meu lado
na noite imensa companhia minha.
Marília Gonçalves
A Primavera é triste amor esvoaça
na névoa que persiste em solidão
enche todas as coisas e não passa
o céu é cinza e triste o chão.
No asfalto sonhos liquefeitos
ainda trémulos o que são
a luzir mesmo desfeitos
pérolas da imensidão.
Ao ver o mar em plena rua
eu sinto diluir o mar
no meu olhar só porque sou tua
mas sendo tua não te posso amar.
Fico a olhar a chuva de lágrimas
soltas de nuvens ou olhos do céu
para mim penso quem as chorou todas
saiba de pranto menos do que eu.
Marília Gonçalves
Sombra densa arvoredo
perdido olhar
exílio de nossas veias
são elos laços cadeias
a segurar o presente
sem passado ou futuro
a latejar febrilmente
o nosso espanto a esperar
a vida, vida a girar.
Marília Gonçalves