

Na Idade dos Porquês
Professor diz-me porquê?
Por que voa o papagaio
que solto no ar
que vejo voar
tão alto no vento
que o meu pensamento
não pode alcançar?
Professor diz-me porquê?
Por que roda o meu pião?
Ele não tem nenhuma roda
E roda gira rodopia
e cai morto no chão...
Tenho nove anos professor
e há tanto mistério à minha roda
que eu queria desvendar!
Por que é que o céu é azul?
Por que é que marulha o mar?
Porquê?
Tanto porquê que eu queria saber!
E tu que não me queres responder!
Tu falas falas professor
daquilo que te interessa
e que a mim não interessa.
Tu obrigas-me a ouvir
quando eu quero falar.
Obrigas-me a dizer
quando eu quero escutar.
Se eu vou a descobrir
Fazes-me decorar.
É a luta professor
a luta em vez de amor.
Eu sou uma criança.
Tu és mais alto
mais forte
mais poderoso.
E a minha lança
quebra-se de encontro à tua muralha.
Mas
enquanto a tua voz zangada ralha
tu sabes professor
eu fecho-me por dentro
faço uma cara resignada
e finjo
finjo que não penso em nada.
Mas penso.
Penso em como era engraçada
aquela rã
que esta manhã ouvi coaxar.
Que graça que tinha
aquela andorinha
que ontem à tarde vi passar!...
E quando tu depois vens definir o que são conjunções e preposições... quando me fazes repetir que os corações têm duas aurículas e dois ventrículos e tantas tanta mais definições... o meu coração o meu coração que não sei como é feito nem quero saber cresce cresce dentro do peito a querer saltar cá para fora professor a ver se tu assim compreenderias e me farias mais belos os dias.
ALICE GOMES

Viva o PSD e Viva o 25 de AbrilOuve-se muitas vezes dizer que o povo português é mais expansivo que o francês mas eu nem sempre estou de acordo. Não estou sempre de acordo e, por exemplo, as festividades a que assisti este ano em Portugal para comemorar o 25 de Abril vieram ao encontro deste desacordo porque poucas dezenas de anos após o 25 de Abril, uma data histórica relevante, não me apercebi de grande alarido dos portugueses para festejarem esta data quando em França, para se festejar o 14 de Julho, uma data que se recorda desde 1789, festeja-se com mais relevo por todo o território nacional.
Ainda cheguei a pensar que este ano, tendo em conta o centenário da implantação da Republica portuguesa, o 25 de Abril iria tomar um significado maior e esperava ver festa e cravos vermelhos, oferecidos ou vendidos, e ver tudo que é animação desfilar pela vila numa alegria contagiosa e desbordante até às aldeias. Ainda que uma data não tenha nada a ver com a outra, os ideais que os revolucionários do 25 de Abril defendiam não eram muito distanciados dos ideais dos Republicanos de 1910 e, em 1974, os ideais da Republica estavam entre parênteses e mesmo se se continuava a chamar Presidente da Republica ao chefe do Estado todos sabiam que a Republica estava em maus lençóis.
Quando em França se festejou o Bicentenário do 14 de Julho, em 1989, o espectáculo tomou proporções culturais a que ninguém podia ficar indiferente... Não vamos reivindicar um espectáculo assim, que envolve custos muito elevados, em período de crise; mas pensava que para o Centenário da Republica portuguesa os espectáculos fossem de assinalar por todo o país e que para este aniversário do 25 de Abril se desse uma maior dimensão com uma visibilidade que também pudesse atingir Arcos de Valdevez que, decerto, teve mais gente implicada na implantação da Republica do que o que as nossas gentes de hoje sabem e deveríamos fazer tudo para não apagar a história...
Ficamos com o agrado das intervenções feitas na Assembleia da Republica transmitidas em directo pela televisão mesmo se o termo agrado decerto não agradará a todos porque haverá sempre os que dizem que não nos podemos satisfazer só de palavras. Portanto aqui houve palavras fortes! Não de arrepio, mas fortes! É verdade que por vezes o sentido de humor atenuava a gravidade. Além disso, quando ouvíamos os textos e verificávamos o lado da bancada de onde as palavras eram proferidas, ficávamos baralhados... Então não era o delegado do PSD, com o seu cravo rubro na lapela, que fazia citações de Rosa Luxemburgo e de Lenine que parecia estarmos durante os discursos inflamados do pós imediato 25 de Abril de 1974? Nem o PC, nem o Bloco de Esquerda, no contexto presente, ousam já formular discursos assim com estas citações! Depois o cravo vermelho ostentado e aquela reivindicação de que a flor simbólica do 25 de Abril não tem pertença ideológica, assim como os ideais de Abril, e que todo este conjunto de símbolos é pertença de todos os portugueses, deixou-me varado! Se não fosse a minha teimosia em querer manter um espírito liberto de pressões partidárias, este discurso levar-me-ia directo à sede do PSD para uma adesão imediata porque, de facto, desde a primeira hora sempre apoiei os ideais de Abril...
Será a mudança ideológica do PSD factual ou será o discurso um discurso de oportunidade? Em todo o caso, ao ouvir aquele brilhante discurso, tive vontade de gritar: Viva o PSD, Viva o 25 de Abril! Depois desci à minha infância e recordei um dos primeiros poemas, de Alice Gomes, de 1946, intitulado “Na Idade dos Porquês” e pensei: como é possível ficarmos, ou pensarem que ficamos, na idade dos porquês?
José Barros, Abril de 2010

Não lhe dou cravos dou rosas
São flores do seu quintal
Os lírios para a saudade
Dos tempos daquela idade
Dos cravos em Portugal

