Nunca pedirei
frases de amor
nem escritas nem faladas
eu trago em mim
a fome e o pavor
do templo das oferendas recusadas.
Marília Gonçalves
Nunca pedirei
frases de amor
nem escritas nem faladas
eu trago em mim
a fome e o pavor
do templo das oferendas recusadas.
Marília Gonçalves
A casa de meus pais perdida há tanto
de risos e luar
de sol ardente
onde poisava meu olhar
contente
meu inocente olhar
alheio ao mal
que vem do sofrimento
meu terno e doce olhar
onde se via
sentir e pensamento...
Caíram noites sobre meu olhar
não noites como noites conhecidas
terríveis noites, noites sem sonhar
de monstros e de feras escondidas
noite sombria, noite de ameaça
onde todo o futuro se extinguia
Ó Noite do Terror que nunca passa
onde o nascer do dia não surgia
Foi uma longa noite repartida
por tudo o que é sensível e verdade
foi horrorífica noite repetida
que gela o tempo e todo o espaço invade
uma noite de séculos, milénios
que ali em meio século se vivia
que abocanhava a arte, alunos, génios
noite que cada dia renascia
que cegava a palavra
ardia livros
tentava prender o pensamento
essa tremenda noite de agonia
quando até o tempo era cinzento.
Mas nas dobras noite havia quem
alheio à realidade se escondia
e não via o pranto de ninguém
nem a terra e o luto que a cobria
foram tantos e tais esses vexames
tantas e tais afrontas se sofria
da negação da dor e sofrimento
que em cada Humano mil astros implodiam
de ondulantes trigais à fome ao vento
e que em flâmulas a noite convertiam
caía aqui e ali um nosso irmão
como um sol se desfaz no horizonte
à espera da partícula de pão
que se reparta a rir de monte em monte.
Por isso se ouviu d'opresso grito
brado puro que canta a Liberdade
num alerta que enchia o infinito
num ideal de Paz e igualdade.
Marília Gonçalves
Negro bailado no país da era
onde fogo palpita voador
escultor do fim da Primavera
vinho rubro em corpo sem amor.
Lesto negro eleva-se no trilho
de instante perene ou irreal
dedos vermelhos entrelaçam brilho
distanciar o vento sem igual.
De ilha abandonada, o apelo o mistério
folha que história abandonou
crepitar de som fulvo e etéreo
nevoeiro que a hora transformou.
Memória do olhar, a ansiedade
a bailar negro, estático parou.
Ouve-se ao longe uivar a tempestade...
mas foi dentro de nós que ela ecoou!
Marilia Gonçalves
Para Quê
Pra quê falar de ti, se não mais tu
pra quê dizer agora, se não já
pra quê falar de mim sem coração
pra quê dizer sempre, se mais não?
Pra quê dizer connosco, se não nós
pra quê dizer juntos, se tão sós
pra quê dizer falarmos, se não voz?
Pra quê, pra quê, pra quê, se não é nada
se no sorriso começa cada história
para vir a ser silenciada.
Marilia Gonçalves