"O que o PS nos dizia é que estava refém da esquerda"
O olhar cheio de tempo
num murmúrio musical
harpejos lentos de vento
sumo do sol roseiral
mãos aladas gota a gota
esvoaçam sombra do dia
praia perdida gaivota
a marulhar poesia
véu azul desce do templo
onde se perdem os gestos
repetido movimento
passos lestos
escorrem dias como lágrima
pérolas d'água vertida
desdobrar múltiplas páginas
sempre na história caída
cintilam escamas movendo
vago do azul perdido
soa em metáfora o tempo
na velha praia incendida.
Marília Gonçalves
Celeiro de abundância
vazio, à fome de alguém
bate-te à porta a infância
famélica ao pé da mãe.
Inútil pão doutro dia
nos olhos de ver morrer!
Quem pode ter alegria
por a semente prender?
Vendavais! Levem o muro
que prende o pão de amanhã.
Sementeira do futuro
a negar a vida vã.
Só quando livre a seara
crescer em pão mundial
a manhã será mais clara
nas margens do ideal.
Quando fluente o olhar
vier poisar de mansinho
na forma do verbo amar
pelas curvas do caminho,
Nós então seremos povo
seremos gente a valer
semente do homem novo
que de nós há-de nascer!
Marilia Gonçalves
Adormece uma flor no pensamento
ou são praias azuis ao vento leste
acenar em brando movimento
trazem da íntima seara que me deste
esse estranho perfume de erva amarga
que envolve leve o ar, em ténue véu.
Mas não há semente que me traga
o caminho que em tempo foi o meu.
Marília Gonçalves
À voz da tua voz desconhecida
perdi-me pela cidade
cada rua uma avenida
cada subida vontade.
Ouvi o som que marinho
alongava meu olhar
ouvi-o ainda baixinho
nos meus olhos marulhar.
A cidade à luz erguida
movia-se crepitava
eu, prosseguia perdida
na tua voz viajava.
Vi praças e avenidas
largos jardins e pracetas
mantinham-se em luz escondida
minhas velhas tranças pretas.
Menina mulher ternura,
corro a cidade por ti
procuro o que em ti encontro
mas juro
não mais te vi.
Marilia Gonçalves