Dedicado os Marítimos Pescadores da Ilha de Faro, com quem convivi durante anos, com minha família. Nessa época, para nós cheia de vida, nenhum dos nossos faltava à chamada, o meu querido Pai, minha doce avó materna e a irmã desta, viúva do Alex. Os meus filhos eram todos pequeninos. E o Rui e eu éramos o que fomos muitos anos, uma história de Amor.
Poema
Um dia abri a mão
E vi o vento
Com asas de andorinha e de gaivota
Espumava o branco mar
Senhor do tempo
E a casa era ali uma palhota
Ou pouco mais
Como se urdida de madeira
Naquela casa coubesse a terra inteira
Porque o bote chegando de manhã
Vira do mar os fundos
E nas redes
Trazia a ardendia
A feiticeira
Que veste o mar de lume
E de poeira de astros
E voos
do voador-de-fundo
que por instantes semelha ave
por vezes o peixe cai no bote
ou na nave
e ali fica
Se a mão do pescador
Não decide outro norte
ao voo que rasteiro
vai acabar espalmado
e ressequido
dependurado de cordão erguido.
Rude vida a do mar
De quem trabalha!
O sol essa poalha luminosa
Que doira nossos corpos estivais
Para o lobo do mar
É algo mais
São noites de vigília
E vai da ré à proa
E lança rede ou aparelho
De centenas de anzóis
A noite inteira
Por vezes é já velho
Leva com ele o filho
Ou mesmo a filha
Acostumada ao mar
O bote foi o berço
Que a levava
Entre o cheiro do peixe
O vagido da infância
Então
era a Mulher a companheira
Que lhe aturava as raivas
Que o mar traz
Da rede que se esgarça
Ou se desfaz
Ou do aparelho preso ao fundo
Como se nele trouxesse o próprio Mundo
E o cheiro a corda e maresia
É toda a noite a acre companhia.
Marília Gonçalves