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O BLOGUE UNIVERSAL E INTERNACIONALISTA


A praça é do povo. Como o céu é do condor. É o antro onde a liberdade. Cria águias em seu calor! ...

A palavra! Vós roubais-la
Aos lábios da multidão
Dizeis, senhores, à lava
Que não rompa do vulcão.

Castro Alves
Jornal de Poesia

Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes? / Em que mundo, em que estrelas tu te escondes / Embuçado nos céus? /Há dois mil anos te mandei meu grito / Que, embalde, desde então corre o infinito... / Onde estás, Senhor Deus?

Castro Alves


MINHA LEI E MINHA REGRA HUMANA: AS PRIORIDADES.

Marília Gonçalves

Grandes almas sempre encontraram forte oposição de mentes medíocres.
Albert Einstein

Perguntas Com Resposta à Espera

Portugal ChamaS e Não Ouvem a Urgência de Teu Grito? Portugal em que http://www.blogger.com/img/gl.bold.gifinevitavelmente se incluem os que votando certo, viram resvalar de suas mãos a luz em que acreditavam; A LUTA CONTINUA )
Quem Acode à Tragédia de Portugal Vendido ao Poder dos Financeiros?! Quem Senão TU, POVO DE PORTUGAL?! Do Mundo inteiro a irmã de Portugal a filha. Marília Gonçalves a todos os falsos saudosistas lamurientos, que dizem (porque nem sabem do que falam) apreciar salazar como grande vulto,quero apenas a esses,dizer-lhes que não prestam! porque erguem seus sonhos sobre alicerces de sofrimento, do Povo a que pertencem e que tanto sofreu às mãos desse ditador!sobre o sofrimento duma geração de jovens ( a que vocês graças ao 25 de Abril escaparam)enviada para a guerra, tropeçar no horror e esbarrar na morte, sua e de outros a cada passo! sobre o sofrimento enfim de Portugal, que é vossa história, espoliado de bens e de gentes, tendo de fugir para terras de outros para poder sobreviver, enquanto Portugal ao abandono,via secar-se-lhe o pobre chão, sem braços que o dignificassem! Tudo isso foi salazar, servido por seus esbirros e por uma corte de bufos e de vendidos, que não olhavam a meios,para atingir seus malévolos fins!Construam se dentro de vós há sangue de gente, vossos sonhos, com base na realidade e não apoiando-os sobre mitos apodrecidos, no sangue de inocentes!!! Marília Gonçalves (pois é! feras não têm maiúscula!!!)

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

GRITO CONTRA A CORRUPÇÃO


 
Coronel João Andrade da Silva

Capitão de Abril e Capitão da Reforma Agrária
 
CONTRA A CORRUPÇÂO UM GRITO!
EIA! IDOS DE MARÇO 2019 - A CILADA DOS DITADORES
"Declaração de interesses simplesmente um soldado de Abril que não se verga,nem vende."
O que alguns de nós já denunciamos há muito.
Vivemos num movimento circular sujeito a três vectores a rotina,uma força centrifuga e uma centripeta. No actual estado de coisas vence a inércia o jogo politiqueiro,o m@mar das tetas de OGE, isto é, do dinheiro de todos os portugueses,e parece que só mesmo perante UMA GRAVE CRISE ECONÓMICA, SOCIAL E POLITICA TUDO se clarificará com a luta entre a força centrifuga - A DITADURA e a centripeta a LIBERDADE, o 25 de Abril,
As forças no terrena apostam mais na continuidade e na explosão social CENTRIFUGA -DITADURA.
IDOS DE MARÇO DE 2019
Diniz Almeida
É verdade que vencemos uma ditadura de 48 anos mas...
... não é menos verdade que estamos em risco de não vencer um período igual (vamos fazer 45 anos em Abril) de nepotismo, corrupção, desvios, fraudes, roubos despudorados, clientelismo, etc, etc, etc...
 



 

Oh asas negras voai

 

  1. Ando atras das andorinhas

Meus olhos vão no voar

  1. Dessas negras avezinhas

Na vida do meu olhar.


Primavera, folha nova

Verdor da nova estação

Anda no ar uma trova

Que tem perfume de Verão.


Que esperadas avezinhas

Oh asas negras voai

Nas saudades que são minhas

Quando o bom tempo se vai.

 

Marília Gonçalves  

 


 



La femme est l'avenir de l'homme

 

La femme est l'avenir de l'homme

Jan FERRAT chante ARAGON

perene fome

 

Dorso de luz

outeiro verde

de trigal novo

olhar que pede

pão para a sede

dum país povo.

 

Aljôfar leve

acentuar

d’instante breve...

 

Dura perdura

perene fome

da água pura.

 

Marília Gonçalves 

 


 

 

oiço vibrar

 

Oh luz do meu Algarve já perdido

Nem sequer tua voz oiço vibrar

Ao longe nevoeiro indefinido

Esconde caminhos onde passar.

 Marília Gonçalves



 







 

onde a manhã se demora

 

 

Batem azuis à janela

onde a manhã se demora

azul eléctrico lembra

duas amoras de sombra.

 

Exteriorizar da memória

circulo d’água esvaída

ramificação da história

ritual verde da vida.

 Marília Gonçalves


 

 

pisei sementes de vento

 

Fui pelos caminhos de vento 

pisei sémen de luz 

icendiei-me no tempo 

de estrelas todas azuis. 


bebi a água marinha 

vertente de teu olhar 

e na história toda minha 

em ti li o tempo amar 


pisei sementes de vento 

amandei luz pelos mares 

e o meu corpo tremendo 

tremia de me encontrares 


e quando a boca poisou 

nos passos apetecidos 

dentro de meu sangue uivou 

o cair de meus vestidos. 


Marília Gonçalves 

 

  


nem tempo nem vento

 

Na minha  alma de menina

nesta essência minha

que me faz quem sou

vive a mesma força

que nos vinte anos

meu ser meditou.


Nada transfigura

nem tempo nem vento

meu velho sentir

ser da terra inteira

livre sementeira

de luz a abrir.


Passaram os anos

tantos desenganos

passaram por mim

mas meus olhos d’água

ergueram da mágoa

mil sonhos de brim.


Marilia Gonçalves






voo rasgado

 

Aves marinhas

gritai comigo

saudades minhas

que estou em perigo.


Aves do mar

voo rasgado

vinde poisar 

aqui ao lado.


Contai-me histórias

para eu sonhar

velhas memórias 

do velho mar.


Histórias de vida

só de alegria

que a despedida

é nostalgia.


 



Violinos a arder

 


Violinos a arder

na tarde de oiro e cristal

lira no longe a tanger

soluços de laranjal.


Água mansa, meu perfume

feno claro, luzidio

acende o olhar do lume

na lua a cair no rio.


‘Inda o poente a tremer

tece grinaldas de vento

com sóis de prata a gemer

no oiro do pensamento.


Vem a noite devagar

olor no prado vencido

asa branda vem   poisar

no jardim adormecido.

 

 

hei-de erguer voz contra tal lei.

 

Eu grito pela criança
Por cada criança morta
À porta dum paraíso
Quando inda brilhava o riso
Na inocência de ser
Quando trilavam mil aves
De tal forma coloridas
Que até mesmo a voz do mar
Cantava nas suas vidas
Assim meu uivo é de breu
Ante porta que fechada
Vê ao espelho uma outra aberta
As duas pintadas de ódio
Tao caiadas de indiferença
Que corpos pequenos caem
Sem não mais serem presença
É pelas crianças que grito
Que grito e gritarei
vítimas de fria ardência
hei-de erguer voz contra tal lei.
 


ANTI COLONIAL

 

ANTI COLONIAL
 
Havia um queijo na mesa
e na casa havia um rato
o que não será surpresa
havendo queijo na mesa
é mais fiel o retrato.
Mas da casa havia o dono
a quem pertencia a mesa...
ora o queijo ao abandono
pertencia ao mesmo dono...
mesmo o rato de certeza
era pertença do trono
onde era rei, quem se preza
de alem do queijo e do rato
ser dono de casa e mesa.
Afinal que faz o rato
subindo ao alto da mesa?
Apenas mais um buraco
no queijo que perde um naco
sem que haja outra vez surpresa.
(só que o queijo era a pataco)
Ora ao rei, esta esperteza
lembra acto de velhaco
e para sua defesa
enfia o rato num saco
que ata depois com firmeza.
Quem se mete com o dono
de queijo de casa e mesa
embora seja colono
não pode esperar ter sono
nem serenidade à mesa.
 
 
 

 

Mesmo

 

David Deschodt
Abolition des religions !!!! Les religions ont fait plus de morts que toutes les guerres réunies

ARTIGO 21º DA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA

 

República Portuguesa

ARTIGO 21º DA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA
"Direito de resistência - Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos,
 liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública

O Melro

 

O melro, eu conheci-o:
Era negro, vibrante, luzidio,
Madrugador, jovial;
Logo de manhã cedo
Começava a soltar, de entre o arvoredo,
Verdadeiras risadas de cristal. [1]
E assim que o padre-cura abria a porta
Que dá para o passal,
Repicando umas finas ironias,
O melro de entre a horta,
Dizia-lhe: “Bons dias!”
E o velho padre-cura
Não gostava daquelas cortesias.
 
O cura era um velhote conservado,
Malicioso, alegre, prazenteiro;
Não tinha pombas brancas no telhado,
Nem rosas no canteiro:
Andava às lebres pelo monte, a pé,
Livre de reumatismos,
Graças a Deus, e graças a Noé.
O melro desprezava os exorcismos
Que o padre lhe dizia:
Cantava, assobiava alegremente;
Até que ultimamente
O velho disse um dia:
 
“Nada, já não tem jeito! este ladrão
Dá cabo dos trigais!
Qual seria a razão
Porque Deus fez os melros e os pardais?!”
 
E o melro entretanto,
Honesto como um santo,
Mal vinha no oriente
A madrugada clara,
Já ele andava jovial, inquieto,
Comendo alegremente, honradamente,
Todos os parasitas da seara
Desde a formiga ao mais pequeno inseto.
E apesar disto o rude proletário,
O bom trabalhador,
Nunca exigiu aumento de salário.
 
Que grande tolo o padre confessor!
 
Foi para a eira o trigo;
E armando uns espantalhos,
Disse o abade consigo:
“Acabaram-se as penas e os trabalhos.”
Mas logo de manhã, maldito espanto!
O abade, ainda na cama,
Ouviu do melro o costumado canto;
Ficou ardendo em chama;
Pega na caçadeira,
Levanta-se de um salto,
E vê o melro a assobiar na eira
Em cima do seu velho chapéu alto!
 
Chegou a coisa a termo
Que o bom do padre-cura andava enfermo,
Não falava nem ria,
Minado por tão íntimo desgosto;
E o vermelho oleoso do seu rosto
Tornava-se amarelo dia a dia.
E foi tal a paixão, a desventura,
(Muito embora o leitor não me acredite)
Que o bom do padre-cura
Perdera… o apetite!
 
Andando no quintal um certo dia
Lendo em voz alta o Velho Testamento,
Enxergou por acaso (que alegria!
Que ditoso momento!)
Um ninho com seis melros escondido
Entre uma carvalheira.
 
E ao vê-los exclamou enfurecido:
 
“A mãe comeu o fruto proibido;
Esse fruto era a minha sementeira:
Era o pão, e era o milho;
Transmitiu-se o pecado.
E, se a mãe não pagou, que pague o filho.
É doutrina da Igreja. Estou vingado!”
 
E engaiolando os pobres passaritos
Soltava exclamações:
“É uma praga. Malditos!
Dão me cabo de tudo esses ladrões!
Raios os partam! andai lá que enfim…”
 
E deixando a gaiola pendurada
Continuou a ler o seu latim
Fungando uma pitada.
 
Vinha tombando a noite silenciosa;
E caía por sobre a natureza
Uma serena paz religiosa,
Uma bela tristeza
Harmônica, viril, indefinida.
A luz crepuscular
Infiltra-nos na alma dolorida
Um misticismo heroico e salutar.
As árvores, de luz ainda douradas,
Sobre os montes longínquos, solitários,
Tinham tomado as formas rendilhadas
Das plantas dos herbários.
Recolhiam-se a casa os lavradores.
Dormiam virginais as coisas mansas:
Os rebanhos e as flores,
As aves e as crianças.
 
Ia subindo a escada o velho abade;
A sua negra, atlética figura
Destacava na frouxa claridade,
Como uma nódoa escura.
E introduzindo a chave no portal
Murmurou entre dentes:
 
“Tal e qual… tal e qual!…
Guisados com arroz são excelentes.”
 
Nasceu a Lua. As folhas dos arbustos
Tinham o brilho meigo, aveludado,
Do sorriso dos mártires, dos justos.
Um eflúvio dormente e perfumado
Embebedava as seivas luxuriantes.
Todas as forças vivas da matéria
Murmuravam diálogos gigantes
Pela amplidão etérea.
São precisos silêncios virginais,
Disposições simpáticas, nervosas,
Para ouvir estas falas silenciosas
Dos mudos vegetais.
As orvalhadas, frescas espessuras
Pressentiam-se quase a germinar.
Desmaiavam-se as cândidas verduras
Nos Magnetismos brancos do luar.
…………………………………………..
…………………………………………..
 
E nisto o melro foi direito ao ninho.
Para o agasalhar andou buscando
Umas penugens doces como arminho,
Um feltrozito acetinado e brando.
Chegou lá, e viu tudo.
Partiu como uma flecha; e, louco e mudo,
Correu por todo o matagal; em vão!
Mas eis que solta de repente um grito
Indo encontrar os filhos na prisão.
 
“Quem vos meteu aqui?!” O mais velho,
Todo tremente, murmurou então:
 
“Foi aquele homem negro. – Quando veio
Chamei, chamei… Andavas tu na horta…
Ai que susto, que susto! Ele é tão feio!…
Tive-lhe tanto medo!… Abre esta porta,
E esconde-nos debaixo da tua asa!
Olha, já vão florindo as açucenas;
Vamos a construir a nossa casa
Num bonito lugar…
Ai! quem me dera, minha mãe, ter penas
Para voar, voar!”
 
E o melro alucinado
Clamou:
 
“Senhor! Senhor!
É porventura crime ou é pecado
Que eu tenha muito amor
A estes inocentes?!
Ó natureza, ó Deus, como consentes
Que me roubem assim os meus filhinhos,
Os filhos que eu criei!
Quanta dor, quanto amor, quantos carinhos,
Quanta noite perdida
Nem eu sei…
E tudo, tudo em vão!
Filhos da minha vida
Filhos do coração!!…
Não bastaria a natureza inteira,
Não bastaria o céu para voardes,
E prendem-vos assim desta maneira!…
Covardes!
A luz, a luz, o movimento insano
Eis o aguilhão, a fé que nos abrasa…
Encarcerar a asa
É encarcerar o pensamento humano.
A culpa tive-a eu! quase à noitinha
Parti, deixei-os sós…
A culpa tive-a eu, a culpa é minha,
De mais ninguém!… Que atroz!
E eu devia sabê-lo!
Eu tinha obrigação de adivinhar…
Remorso eterno! eterno pesadelo!…
………………………………………….
 
Falta-me a luz e o ar!… Oh, quem me dera
Ser abutre ou fera
Para partir o cárcere maldito!…
E como a noite é límpida e formosa!
Nem um ai, nem um grito…
Que noite triste! oh, noite silenciosa!…”
 
E a natureza fresca, onipotente,
Sorria castamente
Com o sorriso alegre dos heróis.
Nas sebes orvalhadas,
Entre folhas luzentes como espadas,
Cantavam rouxinóis.
 
Os vegetais felizes
Mergulhavam as sôfregas raízes
A procurar na terra as seivas boas,
Com a avidez e as raivas tenebrosas
Das pequeninas feras vigorosas
Sugando à noite os peitos das leoas.
A lua triste, a lua melancólica,
Desdêmona marmórea,
Rolava pelo azul da imensidade,
Imersa numa luz serena e fria,
Branca como a harmonia,
Pura como a verdade.
E entre a luz do luar e os sons e as flores,
Na atonia cruel das grandes dores,
O melro solitário
Jazia inerte, exânime, sereno,
Bem como outrora a mãe do Nazareno
Na noite do calvário!…
 
Segundo o seu costume habitual,
Logo de madrugada
O padre-cura foi para o quintal,
Levando a bíblia e sobraçando a enxada.
Antes de dizer missa,
O velho abade inevitavelmente
Tratava da hortaliça
E rezava a Deus Padre Onipotente
Vários trechos latinos,
Salvando desta forma, juntamente,
As ervilhas, as almas e os pepinos.
 
E já de longe ia bradando:
 
“- Olé!
Dormiram bem?… Estimo…
Eu lhes darei o mimo,
Canalha vil, grandíssima ralé!
Então vocês, seus almas do diabo,
Julgam que isto que era só dar cabo
Da horta e do pomar,
E o bico alegre e estômago contente,
E o camelo do cura que se aguente,
Que engrole o seu latim e vá bugiar!…
Grandes larápios!… Era o que faltava!
Vocês irem ao milho,
E a mim mandar-me à fava!
Pois muito bem, agora que vos pilho
Eu vos ensinarei, meus safardanas!
Vocês são mariolões, são ratazanas,
Têm bico, é certo, mas não têm tonsura…
E nas manhas um melro nunca chega
Às manhas naturais de um padre-cura.
O melhor vinho que encontrar na adega
É para hoje, olé!… Que bambochata!
Que petisqueira! Melros com chouriço!…
E então a Fortunata
Que tem um dedo e um jeito para isso!…
Hei de comer-vos todos um a um,
Lambendo os beiços, com tal gana enfim,
Que comendo-vos todos, mesmo assim
Eu fico ainda quase em jejum!
E depois de vos ter dentro da pança,
Depois de vos jantar,
Vocês verão como o velhote dança,
Como ele é melro e sabe assobiar!…”
 
Mas nisto o padre-cura titubeante,
Quase desfalecendo,
Atônito de horror, parou diante
Deste drama estupendo:
 
O melro, ao ver aproximar o abade,
Despertou da atonia,
Lançando-se furioso contra a grade
Do cárcere. Torcia,
Para os partir os ferros da prisão,
Crispando as unhas convulsivamente
Com a fúria de um leão.
Batalha inútil, desespero ardente!
Quebrou as garras, depenou as asas
E alucinado, exangue,
Os olhos como brasas,
Herói febril, a gotejar em sangue,
Partiu num voo arrebatado e louco,
Trazendo dentro em pouco
Preso no bico um ramo de veneno.
E belo e grande e trágico e sereno
Disse:
“Meus filhos, a existência é boa
Só quando é livre. A liberdade é a lei.
Prende-se a asa, mas a alma voa…
Ó filhos, voemos pelo azul!.. Comei!” –
 
E mais sublime do que Cristo quando
Morreu na cruz, maior do que Catão,
Matou os quatro filhos, trespassando
Quatro vezes o próprio coração!
Soltou, fitando o abade, uma pungente
Gargalhada de lágrima, de dor,
E partiu pelo espaço heroicamente,
Indo cair, já morto, de repente
Num carcavão com silveiras em flor.
 
E o velho abade, lívido de espanto,
Exclamou afinal:
“Tudo o que existe é imaculado e é santo!
Há em toda a miséria o mesmo pranto,
E em todo o coração há um grito igual.
Deus semeou de almas o universo todo.
Tudo que o vive ri e canta e chora…
Tudo foi feito com o mesmo lodo,
Purificado com a mesma aurora.
Ó mistério sagrado da existência,
Só hoje te adivinho,
Ao ver que a alma tem a mesma essência
Pela dor, pelo amor, pela inocência,
Quer guarde um berço, quer proteja um ninho!
Só hoje sei que em toda a criatura,
Desde a mais bela até à mais impura,
Ou numa pomba ou numa fera brava,
Deus habita, Deus sonha, Deus murmura!…
……………………………………………………
Ah, Deus é bem maior do que eu julgava!…”
 
 
E quedou silencioso. O velho mundo,
Das suas crenças antigas, num momento,
Viu-o sumir exausto, moribundo
Nos abismos sem fundo
Do temeroso mar do Pensamento.
E chorou e chorou… A Igreja, a Crença,
Rude montanha pavorosa, escura,
Que enchia o globo com a sombra imensa
Dos seus setenta séculos de altura;
O Himalaia de dogmas triunfantes,
Mais eternos que o bronze e que o granito,
Onde aos profetas Deus falava antes
Entre raios e nuvens trovejantes,
Lá dos confins sidéreos do infinito;
Esse colosso enorme, em dois instantes
Viu-o tremer, fender-se e desabar
Numa ruína espantosa,
Só de tocar-lhe a asa vaporosa
De uma avezinha trêmula, a expirar!…
…………………………………………
…………………………………………
 
E, arremessando a bíblia, o velho abade
Murmurou:
“Há mais fé e há mais verdade
Há mais Deus com certeza
Nos cardos secos de um rochedo nu
Que nessa bíblia antiga… Ó Natureza,
A única bíblia verdadeira és tu!….
 

                                                                                   femelle

 
Nota de Guerra Junqueiro: 
 
O fato em que se baseia este poemeto, com quanto pouco conhecido, é absolutamente verdadeiro.
 
Os melros e algumas outras aves, como os pintassilgos e os rouxinóis, quando lhes encarceram os filhos, envenenam-nos. Muitas vezes, (sarcasmo trágico, crueldade sublime!) deixando-os vivos, arrancam-lhes a língua!
 
Ora nem todos os melros, pintassilgos e rouxinóis assassinam os filhos, quando lhos prendem. Só o fazem os mais extraordinários, os mais heroicos. O que nos demonstra que a ação é livre e responsável, e não um simples produto de uma fatalidade orgânica.
 
É pena que Michelet [2] ignorasse este fato. Que páginas divinas que ele não teria escrito! L’Oiseau ficou incompleto.