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O BLOGUE UNIVERSAL E INTERNACIONALISTA


A praça é do povo. Como o céu é do condor. É o antro onde a liberdade. Cria águias em seu calor! ...

A palavra! Vós roubais-la
Aos lábios da multidão
Dizeis, senhores, à lava
Que não rompa do vulcão.

Castro Alves
Jornal de Poesia

Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes? / Em que mundo, em que estrelas tu te escondes / Embuçado nos céus? /Há dois mil anos te mandei meu grito / Que, embalde, desde então corre o infinito... / Onde estás, Senhor Deus?

Castro Alves


MINHA LEI E MINHA REGRA HUMANA: AS PRIORIDADES.

Marília Gonçalves

Grandes almas sempre encontraram forte oposição de mentes medíocres.
Albert Einstein

Perguntas Com Resposta à Espera

Portugal ChamaS e Não Ouvem a Urgência de Teu Grito? Portugal em que http://www.blogger.com/img/gl.bold.gifinevitavelmente se incluem os que votando certo, viram resvalar de suas mãos a luz em que acreditavam; A LUTA CONTINUA )
Quem Acode à Tragédia de Portugal Vendido ao Poder dos Financeiros?! Quem Senão TU, POVO DE PORTUGAL?! Do Mundo inteiro a irmã de Portugal a filha. Marília Gonçalves a todos os falsos saudosistas lamurientos, que dizem (porque nem sabem do que falam) apreciar salazar como grande vulto,quero apenas a esses,dizer-lhes que não prestam! porque erguem seus sonhos sobre alicerces de sofrimento, do Povo a que pertencem e que tanto sofreu às mãos desse ditador!sobre o sofrimento duma geração de jovens ( a que vocês graças ao 25 de Abril escaparam)enviada para a guerra, tropeçar no horror e esbarrar na morte, sua e de outros a cada passo! sobre o sofrimento enfim de Portugal, que é vossa história, espoliado de bens e de gentes, tendo de fugir para terras de outros para poder sobreviver, enquanto Portugal ao abandono,via secar-se-lhe o pobre chão, sem braços que o dignificassem! Tudo isso foi salazar, servido por seus esbirros e por uma corte de bufos e de vendidos, que não olhavam a meios,para atingir seus malévolos fins!Construam se dentro de vós há sangue de gente, vossos sonhos, com base na realidade e não apoiando-os sobre mitos apodrecidos, no sangue de inocentes!!! Marília Gonçalves (pois é! feras não têm maiúscula!!!)

sábado, 24 de abril de 2010

Alvorecer do 25 de ABRIL de 1974

CANTAR A LIBERDADE

A Canção «Grândola Vila Morena», escrita e cantada por José Afonso, foi a senha para que o Movimento das Forças Armadas avançasse para a revolução dos cravos na madrugada de 25 de Abril de 1974.



Grândola, Vila Morena

1.
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade

2.
Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena

3.
Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade


4.
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena

5.
À sombra d’uma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade

6.
Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade

A Canção da LIBERDADE

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Cravos de Abril

Vermelha flor

Pétalas mil

De rubra cor.

Abril florido

Cravos de Junho

Entrando em Maio

Esperança em punho.

Cravos de Abril

Na história acesa

No céu de anil

Nasce a certeza

Da Liberdade

Pura e fraterna

Sem a maldade

De quem governa.

Abril em flor

Abril de risos

Semeia amor

Gestos precisos

A Pátria avança

Devagarinho

Ave ou criança

Deixando o ninho.

Alvoreceram no dia novo

Novas sementes

Para o rei-povo.


Marília Gonçalves



A casa de meus pais perdida há tanto
de risos e luar
de sol ardente
onde poisava meu olhar
contente
meu inocente olhar
alheio ao mal
que vem do sofrimento
meu terno e doce olhar
onde se via
sentir e pensamento...



Caíram noites sobre meu olhar
não noites como noites conhecidas
terríveis noites, noites sem sonhar
de monstros e de feras escondidas
noite sombria, noite de ameaça
onde todo o futuro se extinguia
Ó Noite do Terror que nunca passa
onde o nascer do dia não surgia

Foi uma longa noite repartida
por tudo o que é sensível e verdade
foi horrífica noite repetida
que gela o tempo e todo o espaço invade

uma noite de séculos, milénios
que ali em meio século se vivia
que abocanhava a arte, alunos, génios
noite que cada dia renascia
que cegava a palavra
ardia livros
tentava prender o pensamento
essa tremenda noite de agonia
quando até o tempo era cinzento.
Mas nas dobras noite havia quem
alheio à realidade se escondia
e não via o pranto de ninguém
nem a terra e o luto que a cobria
foram tantos e tais esses vexames
tantas e tais afrontas se sofria
da negação da dor e sofrimento
que em cada Humano os astros implodiam
de ondulantes trigais à fome ao vento
e que em flâmulas a noite convertiam

caía aqui e ali um nosso irmão
como um sol se desfaz no horizonte
à espera da partícula de pão
que se reparta a rir de monte em monte.




Por isso se ouvia opresso grito
brado puro que canta a Liberdade
num alerta que enchia o infinito
num ideal de Paz e igualdade




Marília Gonçalves



25 de Abril Sempre

Espasmo interior

ou revolta fulminante

qual o nome para a dor

vinda do meu tempo infante?

algozes vis destruíram

em feroz atrocidade

os sorrisos que fugiram

ao futuro da verdade.

Antecedendo o dia luminoso

eles mataram feriram sem remorso

da tortura fazendo íntimo gozo

curvando ao povo as almas e o dorso.

Mas a alma do povo é resistente!

De humilhações de feridas de peçonha

que lhes fechavam as portas do presente

em crueldade bárbara medonha:

Ânimo erguido! Na luta na arena

na solidão feroz de cada cela

desprezando o sarcasmo da hiena

caindo em bando sobre uma gazela

o povo foi erguendo em cada não

a história portuguesa do futuro:

fez luz nascer da escuridão!

Um jardim nascia no monturo.


Marília Gonçalves




Nos Caminhos para Abril


Paulo de Carvalho : E depois do Adeus
Música: José Calvário
Letra: José Niza

(vencedora do festival da canção de 1974)
Quis saber quem sou
O que faço aqui
Quem me abandonou
De quem me esqueci
Perguntei por mim
Quis saber de nós
Mas o mar
Não me traz
Tua voz.

Em silêncio, amor
Em tristeza e fim
Eu te sinto, em flor
Eu te sofro, em mim
Eu te lembro, assim
Partir é morrer
Como amar
É ganhar
E perder

Tu vieste em flor
Eu te desfolhei
Tu te deste em amor
Eu nada te dei
Em teu corpo, amor
Eu adormeci
Morri nele
E ao morrer
Renasci

E depois do amor
E depois de nós
O dizer adeus
O ficarmos sós
Teu lugar a mais
Tua ausência em mim
Tua paz
Que perdi
Minha dor que aprendi
De novo vieste em flor
Te desfolhei...

E depois do amor
E depois de nós
O adeus
O ficarmos sós


Nota:

Esta canção serviu de senha de início da revolução de 25 de Abril de 1974

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RESISTÊNCIA ao FASCISMO
estórias na História

Amanhecera chuva. Tempo de aguaceiros que o sol furava de longe em longe.

Isabel desceu do carro eléctrico,ainda na mente fiapos dos pensamentos com que vinha entretida.

Bateu-lhe a chuva, cruzada sem defesa possível, já que o vento remoinhava cinzento.

Isabel avançava a custo, decidida curvava o dorso, a mão a fechar-lhe a gabardina sobre os joelhos. Inútil chapéu de chuva que quase se lhe empecilhava nas pernas, chegou quase a amaldiçoar a bodega da carteira. Sempre gostava de saber porque diabo andamos sempre com esta coisa atrás, mesmo quando não faz falta.

Enfim falta sempre podia fazer, que lá estavam as papeladas e algum dinheiro, essa bodega que nos leva debaixo de qualquer tempo aonde não teríamos vontade de ir.

Dançou-lhe nos olhos a cara do chefe. Estupor. Sempre a dissertar sobre tudo com aquele ar vitorioso de quem alcançou a verdade suprema.

Ia na rua do Loreto, nessa Lisboa ainda sem computadores do inicio dos anos 60.

Ainda bem que não tinha filhos. Não por ela, que bem gostaria desse afecto do sangue, mas por eles, coitados num país tão parado, que parecia ele também exposto a torrencial chuva e cruzados ventos.

Estava à porta, havia chegado automaticamente sem dar por isso.

Começou a subir a escada com passadeira a abafar-lhe o som dos passos. Bom dia... encaminhou-se para a secretária enquanto a voz dos colegas lhe retribuíam a saudação.

Venho atrasada por causa deste maldito tempo...o chefe entrou: Então Dona Isabel, deram-lhe cuidados os pequenos ? algum com sarampo, não? ironizou. Em voz baixa Isabel resmoneou ? filho da....

e sentada à secretaria começou mais um dia de trabalho.

Na papelada que lhe corria pelas mãos foi passando a manhã.

Vens almoçar Isabel ? indagaram os habituais companheiros de mesa, Chegaram à rua o céu era uma planície azul com manchas brancas a deslizar velozes.

Que tens hoje que não estás nos teus dias? Não sei , nem sempre a gente sabe o que lhe vai por dentro,mas vamos comer que isto logo passa.

Entraram no restaurante. Estava cheio. Ao fundo uma mesa estava prestes a vagar. O empregado fez-lhes sinal e aguardaram.

Que é que vais comer ? Nem sei bem, Uma coisa leve... olhe traga-me uma omelete e uma salada de alface. Temos grilo! gracejou António a ver se melhorava o ambiente. Isabel percebeu a intenção do colega e sorriu por simpatia, mas por dentro os aguaceiros tornavam-lhe o horizonte mais escuro ainda.

Acabada a refeição retomaram o trabalho. Passou a tarde, mas o semblante de Isabel não se desanuviara.

Chegou à rua, Apanhou o eléctrico decidida a ir direita a casa da avó.

Subiu a escada até ao segundo andar, bateu à porta, voz vinda de dentro : aí vou...

a porta abriu-se... és tu filha!... Minha linda avó, a avó mais bonita do mundo. Ora, tarde piaste... agora que estou velha todos me acham uma lindeza. Isabel sorria, Aquela ladainha era por demais conhecida, Quando era nova é que isso tinha feito falta agora...

Senta-te cachopa, que vens a deitar os bofes pela boca.

Isabel dera um xoxo à avó e sentou-se. Vens a novidades não é filha? Pois é... mal consegui passar o dia.

Prenderam-no outra vez! com mais de sessenta anos e ainda têm medo dele... para onde o levaram?

-Para o Aljube, está incomunicável.

Andaram aqui em casa, reviraram tudo.

-Acharam alguma coisa? Mais me admirava que achassem dinheiro, mas não, não acharam nada, que a Julieta amandou o livro que ele andava a escrever pela janela da casa de banho... recuperar as folhas todas é que vai ser um caso sério, teremos que pedir aos vizinhos se dão licença. Bom que nem desconfiem do porquê.

Isabel com a cabeça sobre as mãos estava estática. Talvez lhe corressem pela cabeça milhares de pensamentos, ou o cansaço e o espanto a petrificavam.

É preciso ir a notícias...

Vou a casa do Gabriel a ver se sabe qualquer coisa e a seguir volto cá, hoje durmo aqui.

Ó minha filha ainda bem, ia ser difícil ficar em casa só com a Julieta, coitada que levou um susto, mas não perdeu o norte, mesmo nas barbas deles fez voar o livro, ainda bem que não o acharam, o teu avô é que não percebeu nada, Parecia admirado, mas disfarçou.

Que será que lhe estão a fazer?

Isabel olhou a avó.. malditos!... é isso que eles querem! prendem um e torturam todos, e o preso duplamente que sabe a aflição da família.

Descanse avo seja como for amanhã vamos lá.

Isabel saiu na noite molhada e fria. Talvez o frio estivesse dentro dela a pensar no avô numa masmorra, no segredo ou com algum pin-ping de água a furar-lhe os miolos, mas o avô era resistente, até ao Tarrafal tinha resistido, era mais uma provação, mais uma dor aguda nas obscuras páginas de história que uns bandidos iam escrevendo em Portugal e no sangue do povo.

Portugal, o que era Portugal ? Uma localização geográfica? um povo que consente? um governo imposto? um punhado de resistentes? quem és tu Portugal ?

Se me pudesses responder talvez esta ansiedade que me aflige não doesse tanto.

Chegara à rua de Gabriel, entrou na escada bateu à porta do rés-do-chão, uma garota veio abrir, Olá Isabel, ó mãe está aqui a Isabel. A mãe da garota que aparentava os trinta anos veio à porta. Entra. Isabel entrou, seguiram o corredor até à cozinha , sentaram-se num banco e a Manuela assim se chamava a dona da casa, disse: sei que prenderam o teu avô. O Gabriel foi a notícias. Já jantaste alguma coisa ? e sem esperar resposta tirou da panela que estava em cima do fogão, um prato de sopa de feijão com hortaliça. Isabel aceitou de boa-vontade o que de tão boa vontade lhe ofereciam. Reconfortou-a a sopa, mas dentro aquela voz a falar-lhe da masmorra do avô no escuro no silêncio, se não fosse pior. Malditos, malditos cães !

Quando Gabriel chegou agarrou-lhe as mãos com afecto : tens um avô que é um homem, não se contenta em usar calças.

-Eu sei é um resistente corajoso e persistente, sabes alguma coisa sobre ele? Está no segredo. Por hoje não saberemos mais nada.

Trata de ir para casa, vê se tranquilizas a tua avó. Vejam se conseguem dormir, que amanhã é novo dia.

Apareço em tua casa a horas de ir ao Aljube, tenta não pensar demais por hoje... torturares-te não adianta nada.

-Tens razão, vou indo, senti-me muito bem aqui em casa com a tua filha e a tua companheira.

Vou acompanhar-te a casa.

-Não vale a pena, num instante chego. Tu também estás cansado e amanhã vais trabalhar. Pois sim, mas vou à mesma acompanhar-te, fico mais descansado. Deu um beijo ao de leve à companheira, sorriu à filha e foram.

Isabel tinha um grito preso na garganta como se um pássaro quisesse voar e não pudesse.

Quando chegaram ao prédio despediu-se do amigo. Viu-o afastar... fez um aceno com a mão e entrou na escada. Às escuras sem barulho foi subindo. Com o nó do dedo bateu levemente à porta, desta vez o avô não viria abrir, apareceu a avó com rosto doce e triste. Abraçou-a e ficaram agarradas largos minutos.

Quando se aconchegou nos lençóis, um perfume campestre a rosmaninho, a alecrim invadiu-a, enquanto debaixo do cobertor de papa, o calor pouco a pouco ia aumentando. Sentiu aquele leve torpor que antecede o sono. Porém num sobressalto ergueu-se, som estranho fino, quase imperceptível. saltou da cama pé ante pé avançou pelo corredor, encostou o rosto à porta da avó... o mesmo som se fazia ouvir, agora mais forte, ampliado pela proximidade. Chamou a avó: avózinha está bem? posso entrar ?

correu a porta que deslizou na calha do solo, a avó tinha os olhos cheios de lágrimas, as faces molhadas. Ó avo então está aflita... não filha, é que estou preocupada! e a noite parece não querer passar.

Isabel abraçou a avó, e ali ficou nos seus vinte anos a pensar no avô, no namorado que já não tocava viola para ela aos serões, fugira à guerra, andava por França coitado!... A limpar latrinas, Trocara a faculdade, por aquela maldição, mas pelo menos estava vivo e não vivia as atrocidades da guerra.

Pobre país, onde cada história era uma página amarga, onde para andar de consciência limpa se tinha de renunciar à alegria mais simples e ao direito a vida própria.

Vai descansar filha vê de dormes que amanhã também o trabalho te espera.

Marília Gonçalves







Portugal ressuscitado
Ary dos Santos


Depois da fome, da guerra
Da prisão e da tortura
Vi abrir-se a minha terra
Como um cravo de ternura
Vi nas ruas da cidade
O coração do meu povo
Gaivota da liberdade
Voando num tejo novo


E agora, o povo unido nunca mais será vencido,
Nunca mais será vencido
E agora, o povo unido nunca mais será vencido,
Nunca mais será vencido


Vi nas bocas, vi nos olhos,
os braços, as mãos acesas
Cravos vermelhos, aos molhos
Rosas livres portuguesas
Vi as portas da prisão
Abertas de par em par
Vi passar a procissão
Do meu país a cantar


E agora, o povo unido nunca mais será vencido
Nunca mais será vencido
E agora, o povo unido nunca mais será vencido
Nunca mais será vencido


Nunca mais nos curvaremos
Ás arma da repressão
Somos a força que temos
O pulsar no coração
Enquanto nos mantivermos
Todos juntos, lado a lado
Somos a glória de sermos
Portugal ressuscitado


E agora, o povo unido nunca mais será vencido
Nunca mais será vencido
E agora, o povo unido nunca mais será vencido
Nunca mais será vencido


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Seara rubra d’esperança

onde a foice de amanhã

há-de cortar pão futuro

papoilas tuas irmãs

gritam certezas nascidas

nos olhos da madrugada

a enflorescer Abril.


Marília Gonçalves



O 25 de Abril de 1974 à minha volta


VIVA O 25 DE ABRIL de 1974









O 25 de Abril de 1974 à minha volta
Por Marília Gonçalves*


PORTUGAL: Quando em 1974 o amanhecer de Abril trouxe no âmago a mais bela aurora de todos os tempos o 25 de ABRIL, tinha decorrido um mês repleto de acontecimentos para quem atentamente observasse. Em Março, havia pois pouco mais de um mês, os militares tinham tentado num golpe de estado mudar o país, tentativa frustrada.



Nos dias que seguiram, eu e meu marido tivemos que ir a Lisboa. E fomos encontrar uma cidade inquieta, havia um sussurrar, até às lojas, o que nunca tínhamos presenciado anteriormente. Era um murmúrio de descontentamento geral, numa mercearia perto do Forno do Tijolo em voz baixa mas descontente, mulheres comentavam o aumento do custo de vida e as dificuldades que isso acarretava . Mães preocupadas, que viam levar seus filhos para longe, para a guerra colonial, donde voltavam ou não e quando voltavam, voltavam mudados, doentes ou deficientes.

Mães eternas, que trouxeram filhos nas entranhas olhos fitando o futuro onde o riso dos filhos brilhava juvenil e bom. Que trazer um filho no ventre e pô-lo no mundo é já um grito de confiança na humanidade, nos companheiros de caminho desse menino ainda no presente ao abrigo do seu seio, de seu desvelo e de sua vida. Um Futuro digno para essa vida novinha que crescia em si. O grandioso sonho de qualquer mãe, para seu filho é um Mundo que o mereça.

Mas esse sonho ruia então, para as Mães de Portugal! as mães perdiam seus filhos pela defesa de interesses que nada tinham a ver com os interesses do Povo de Portugal. Perdiam seus filhos, sacrificados tão jovens, meninos quase, para defesa dos interesses duns quantos. Essa certeza do roubo que lhes faziam, era luz definitivamente acesa no coração das Mães! da mãe de cada soldado, de cada oficial.
E com os jovens militares enviados para uma guerra inútil e injusta assassinava-se com eles o futuro de Portugal.

E Portugal nessa década de sessenta, esvaziava-se de suas gentes, aldeias inteiras partiram, os filhos fugindo à guerra, os pais ao infinito cansaço de viver sem esperança, de em troca de trabalho de manhã à noite, verem e viverem em privações e condenados ao silêncio sem sequer o poder dizer.
Nada poderem dizer, nem sobre o sofrimento, nem sobre as suas causas.

O Povo de Portugal condenado, enclausurado dentro de si mesmo, sem poder nunca gritar a sua dor!

Em Março no dia do aniversário de meu marido,juntaram-se em casa amigos que pertenciam como nós ao mesmo grupo da vida Cultural de Faro nessa época.

Nesse dia tinha por conseguinte meu marido recebido um postal de parabéns vindo de meu pai, exilado político em França e que pertencia às forças da Oposição ao regime de Salazar/Caetano, postal em que manifestava seu desejo de que fosse este o último aniversário separados. Estranhei a frase que me soou como um aviso velado. E andou o postal de mão em mão, cada um tentando ler nas poucas palavras e concretização de sua esperança. E acreditámos!
continuou a noite ao som da guitarra que o Zé Maria tocava, enquanto baixinho íamos cantando canções do Zeca!
Assim cada noite ali estávamos os dois meu marido e eu,cabeça quase encostada ao rádio a escutar a BBC, na esperança de que o Presente despertasse em Portugal.

Aguardávamos desde a tentativa de golpe de estado, quer viesse dos militares de novo, ou do povo em geral o sinal de partida para um Portugal novo, onde enfim nos sentíssemos viver.
Esperávamos, como durante cinco décadas esperaram os Resistentes ao fascismo. Muitos caíram pela longa e corajosa estrada da Luta pela Liberdade e pelo direito à dignidade do Povo português, sem chegar a ver o dia por que tanto haviam lutado e sofrido; como tantos outros que escapando embora à morte nas prisões fascistas, soreram às mãos da PIDE, as mais cruéis e elaboradas formas de tortura.

Prender matar e torturar por uma ideia! Fascistas!

Mas quando nessa manhã se levantava o dia 25, o meu marido saiu de casa e dirigiu-se ao seu trabalho.

Cerca de dez minutos depois em casa tocou o telefone. Não tive tempo para me surpreender ao ouvir a voz de meu marido, com a prontidão de tão matinal chamada. Do outro lado a voz dele perguntou-me: - Sabes o que se passa?
[nessa época no seu emprego, tinham havido grandes lutas sindicais [ era um dos mais fortes sindicatos nesses tempos] e em Lisboa tempo antes, tinham mesmo voado máquinas de escrever pelas janelas lançadas por empregados sobre a polícia fascista de então. Como nas reivindicações constava o aumento de salário; perguntei prosaica e simplesmente: foste aumentado? do outro lado meu marido sorriu. Não! a voz soou mais clara, diferente: está a haver um Golpe de Estado!

Hein? o quê?

[tantos anos depois o meu coração só de o relembrar e escrever salta desenfreado]. Tudo o que me passou pelos olhos, os pensamentos que se cruzaram no meu cérebro, são indescritíveis. Tão variados eram! Apenas consegui dizer: vou já para aí!

Vesti meus três filhos e dez minutos depois estávamos na rua.


Olhava a cidade luminosa, como Faro o sabe ser, à minha volta uma manhã de sol, e eu com aquele sol por dentro que me dava asas. Passavam bandos de estudantes, que iam para o liceu, algumas raparigas com as tradicionais batas brancas, iam todos avenida acima a caminho do liceu.
Á Pontinha vinha o Sebastião, colega do mesmo mundo cultural, com uns restos de sono agarrados ainda às pálpebras. Lancei-lhe: Sabes o que se passa? Não, o que é? - Está a haver um Golpe de Estado! - É mesmo?
Confirmei, e vi-o ir na peugada dos alunos, trepando agora a Avenida alegre e bem disposto. Jovem professor, a caminho de um diferente dia de aulas. Completamente diferente!

Quando cheguei ao trabalho de meu marido com as três crianças, todas as empregadas tinham sido dispensadas e voltavam para suas casas. Desciam a escada em tropel com um largo sorriso no rosto.

Ali a única mulher era eu, com três crianças pequenas, uma das quais com um ano.

E foi o dia mais desperto, mais vívido, mais colorido de nossas vidas.

As informações vindas de Lisboa, chegavam das formas mais variadas,

íamos seguindo de longe as grandes passadas da LIBERDADE pelas mãos de jovens oficiais que passaram à Historia com o nome de Capitães de Abril!
Os Homens sem Sono!

Conseguimos, era um bando de gente excitada, captar com um pequeno transístor, mensagens por vezes bastante roufenhas que em Faro ali mesmo ao pé, os militares trocavam entre si. Embora as suas conversas fossem para todos od presentes, impenetráveis, quer porque falassem em código quer porque o transístor não nos deixasse ouvir nitidamente o que diziam, para nós aquelas ordens eram duma clareza infinita. Luminosas palavras, que nos falavam de Liberdade!

Era o momento tão esperado por sucessivas gerações de Lutadores da Resistência em Portugal, e nós ali estávamos, com mais sorte, colhendo enfim esse torvelinho de Luz que tantos resistentes, em tantos anos de persistente combate, tinham merecido ver. Ali estávamos para Honrar suas Gloriosas Memórias! Para nunca os esquecer, reconhecidos!
Depois deixei meus filhos com o pai e fui ver Faro, com olhar novo. Olhar novo e voz solta, fosse qual fosse o preço era preciso pelo menos, falar!

Alguns protestavam, mas poucos, o que mais se via era alegria, e pessoas romperem a barreira do silêncio. O Povo descobria que tinha Voz!

E quando à noite acocorados esperávamos que na TV nos dissessem algo mais, assim ficámos, naquela postura longo tempo e ora nos olhávamos ansiosos por saber mais,ora prendíamos os olhos ao televisor como se um íman ali os retivesse agarrados.

Depois foi o Comunicado do MFA, nome que nos iria acompanhar nos mais veementes e intensos meses de nossas vidas.

E o seu Hino, tempo depois feito canção que andava de boca em boca!

Ali estava o Presente com as portas rasgadas de par em par para o Futuro e como disse esse grande poeta reconhecido internacionalmente como um dos maiores poetas do Mundo, Ary dos Santos: As Portas que Abril Abriu!

Portas por onde passaram a Liberdade e os Direitos do Povo de Portugal, por onde passou o fim da Guerra Colonial e o reconhecimento do Direito de outros Povos a gerir enfim as Terras, os Países que enfim passavam a ser por lei e direito os seus;por elas entrou a Esperança, o fim do medo, o fim da desconfiança colectiva e por elas entrou a Consciência, a nova Consciência de Ser!

Hoje é essa Consciência que deve manter-se inalterável, para sabermos para sempre defender-nos do terror silenciado pela força, que foi a longa noite fascista!

Para que nunca mais ninguém tenha a tentação de nos mergulhar num tempo que saberemos não deixar voltar.

para que nunca mais se cerrem para nós,para nossos filhos e todos os que estimamos, as Portas do Futuro! As Portas que Abril Abriu!

Marília Gonçalves*, POETA del MUNDO:

http://www.poetasdelmundo.com/verInfo_europa.asp?ID=676


25 de Abril Sempre Fascismo Nunca Mais!!!!!




TESTEMUNHOS 25 DE ABRIL 1974


José Gomes Ferreira

(25 de Abril de 1974)

Manhãzinha cedo, senti acordar-me o sopro da voz ciciada de minha mulher:
- 0 Fafe telefonou de Cascais, ... Lisboa está cercada por tropas…
Refilo, rabugento:
- Hã?
E enrolo-me mais nos lençóis:
- É algum golpe militar reaccionário dos «ultras»... Deixa-me dormir.
Mas qualquer coisa começou a magoar-me a pele com dentes frios, para me dissuadir de adormecer.
E daí a instantes a minha mulher insistiu, baixinho, muito baixinho, com medo de não haver realidade:
-Só funciona o Rádio Clube que pede às pessoas que se conservem em casa.

Golpe militar? Reaccionário, evidentemente. Como se poderia conceber outra coisa?
Levanto-me preparado para o pesadelo de ouvir tombar pedras sobre cadáveres. Espreito através da. janela. Pouca gente na rua. Apressada. Tento sintonizar a estação da Emissora Nacional. Nem, um som. Em compensação o telefone vinga-se desesperadamente. Um polvo de pânico desdobra-se pelos fios. A campainha toca cada vez mais forte.
Agora é o Carlos de Oliveira.
-Está lá? Está lá? É você, Carlos? Que se passa?
Responde-me com uma pergunta qualquer do avesso.
Ás oito da manhã o Rádio Clube emite um comunicado ainda pouco claro:
- Aqui, Posto de Comando das forças Armadas. Não queremos derramar a mínima gota de sangue.
De novo o silêncio. Opressivo. De bocejo. Inútil. A olhar para o aparelho.
Custa-me a compreender que se trate de revolução. Falta-lhe o ruído, (onde acontecerá o espectáculo?), o drama, o grito. Que chatice!
A Rosália chama-me, nervosa:
- Outro comunicado na Rádio. Vem, depressa.
Corro e ouço:
-Aqui o Movimento das Forças Armadas que resolveu libertar a Nação das forças que há muito a dominavam. Viva Portugal!
Também pede à policia que não resista. Mas Senhor dos Abismos!, trata-se de um golpe contra o fascismo (isto é: salazismo-caetanismo).

São dez e meia e não acredito que os «ultras» não se mexam, não contra-ataquem!
Ou tudo ruirá de podre, sem o brandir de uma bandeira qualquer de, heroísmo, um berro, um suicídio, um brado? Nas ruas (avisto da janela da sala de jantar) as mulheres, correm com sacos de alimentos. A poetisa Maria Amélia Neto telefona-me: «Não resisti e vim para o escritório».
Os revoltosos estão a conferenciar com o ministro do Exército. Na Rádio a canção do Zeca Afonso: Grândola, vila morena ... Terra da fraternidade... 0 povo é quem mais ordena...
Sinto os olhos a desfazerem-se em lágrimas. Ainda assisti, ainda assisti à morte deste maldito meio século de opressão imbecil. Ao mesmo tempo nunca vivi horas mais aborrecidas de espera, de frigorífico, ao som de baladas, medíocres, sem lances dramáticos. E não serão assim sempre as verdadeiras revoluções?... interrogo-me. Em silêncio. Sem teatro por fora. Em segredo. Com pantufas.
De súbito, aliás, a Rádio abre-se em notícias. 0 Marcelo está preso no Quartel do Carmo. A polícia e a Guarda Republicana renderam-se. 0 Tomás está cercado noutro quartel qualquer. E, pela primeira vez, aparece o nomeado General Spínola. Novo comunicado das Forças Armadas. 0 Marcelo ter-se-á rendido ao ex-governador da Guiné. (Lembro-me do Salazar: «o poder não pode cair na rua»).
Abro a janela e apetece-me berrar: acabou-se! acabou-se finalmente este tenebroso e ridículo regime de sinistros Conselheiros Acácios de fumo que nos sufocou durante anos e anos de mordaças. Acabou-se. Vai recomeçar tudo.

A Maria Keil telefonou. 0 Chico, está doente e sozinho em casa. Chora. (Nesta revolução as lágrimas são as nossas balas. Mas eu vi, eu vi, eu vi! ... )
Antes de morrer, a televisão mostrou-me um dos mais belos momentos humanos da História deste povo, onde os militares fazem revoluções para lhes restituir a liberdade: a saída dos prisioneiros políticos de Caxias.
Espectáculo de viril doçura cívica em que os presos... alguns torturados durante dias e noites sem fim.... não pronunciaram uma palavra de ódio ou de paixões de vingança.
E o telefone toca, toca, toca... Juntámos as vozes na mesma alegria. (Só é pena que os mortos não nos possam também telefonar da Morte: o Bento de Jesus Caraça, o Manuel Mendes, o Casais Monteiro, o Redol, o Edmundo de Bettencourt, o Zé Bacelar, a Ofélia e o Bernardo Marques, o Pavia, o Soeiro Pereira Gomes e outros, muitos, tantos... Tenho de me contentar com os vivos. Porque felizmente dos vivos poucos traíram ou desanimaram. Resistimos quase todos de unhas, cravadas, nas palmas das mãos...
De repente, estremeço, aterrado.
Mas isto de transformar o mundo só com vivos não será difícil?
Saio de casa. E uma rapariga que não conheço, que nunca vi na vida, agarra-se a mim aos beijos.
Revolução.


José Gomes Ferreira


VIVA O 25 de ABRIL de 1974


VIVA O 25 DE ABRIL! Viva a Revolução!!! Por Marilia Gonçalves*

Amanhecer de Luz, de tão intenso brilho que nesse ano de 1974 os turistas que chegaram para férias não eram os mesmos dos anos anteriores. Lembro sessões de esclarecimento a estrangeiros a quem respondíamos a entusiastas perguntas no parque de campismo de Faro, na Ilha. Era muito mais que curiosidade que os trazia. Era o acontecimento histórico que abria as portas ao Futuro que havia suscitado tanto interesse. Se um cravo nascia em Portugal depois da ditadura salazarista, uma labareda comunicativa acendia-se à porta de cada país. Quem nos visitava sabia que a partir dali seria sempre possível vencer todas as batalhas de Paz e Justiça. O Mundo renascia em Portugal!

Fascismo nunca mais!

O 25 de Abril era o elo fraterno que faltava entre os filhos de Portugal e o Mundo. Agora sim a verdadeira História de Amor entre Portugal e os povos dantes colonizados podia começar. Era o abertura do Mundo ali a florir num solo semeado de Capitães!

Obrigada a vocês Capitães por esse dia inesquecível, que nos fez crescer e tornarmo-nos maiores como seres humanos.

Hoje muitas conquistas apelam para nossos olhares atentos. As Conquistas de Abril, a porta do Amanhã que se abriu a nova mentalidade num radioso dia presente, origem do brotar duma jornada enfim desigual, hoje está ameaçada.

Portugal chama por seus filhos, por cada um de nós, num grito agudo que se nos agarra aos tímpanos e ao coração.

Mas Portugal está no Mundo e na Europa e forças exteriores, combatem e destruem ou tentam aniquilar o Espírito de Abril, em cada País, levantado os seres humanos uns contra os outros, dividindo irmãos, tentando derrubar a Fraternidade. Usando a mentira e o fingimento como arma, escondem quem são. Por isso a Unidade consciente de todos nós deve ser Universal

Porque tal como o ar que respiramos circula limpo ou poluído sobrevoando cada País, assim os recuos das conquistas democráticas onde quer que se dêem tal como o ar circulam e envolvem-nos contaminando e destruindo a Esperança que a esforço de tantas Lutas se ergueu. Todos os países são irmãos! Todos partilhamos os mesmos sonhos e os mesmos afectos. E o Respeito por cada um é o caminho a aprender.

Atentos pois e combativos, de pé enfrentemos quem quer que tente abalar e demolir a Luz de Abril

Porque não calar a luz dos nossos olhos é o preço da dignidade de cada um e do respeito próprio.

A Luz a rir ao nosso olhar e ao futuro tem que saber merecer-se!

Viva o 25 de Abril! Viva a Fraternidade entre todos os Povos do Mundo!

Viva Portugal!

Abril é uma urgência Universal


Abril é uma urgência universal
O mundo fraterno a construir
O uivo a florir no vendaval
De maculadas pombas a cair.

Abril sobre o vácuo do sentir
Mais um Abril aurora flor de luz
Incendiando os olhos do porvir
Na vastidão a previdência de Argus.

Um grito do pensar nova razão
Estridência de seara a repartir
Onde cada se humano seja irmão
E a evidência o tempo a construir.

A bruma do pensar que se desfaz
Ribeiras transparentes a correr
Para que possa enfim surgir a PAZ
Onde a lei final será viver!

Marília Gonçalves




*Marília Gonçalves, poeta del mundo:


http://www.poetasdelmundo.com/verInfo_europa.asp?ID=676

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