A dor que me investe
Parda e triste
De tão sombria não tem cor
Vem dos confins do tempo
De arma em riste
E tom acusador.
Porque odeia o belo e a inocência
Derruba árvores ao passar
Sem um estremecimento pelos ninhos
Sem nenhum anseio ou um olhar
Passa e sua vida é destruir
Nenhum incêndio a afecta
Passa por brasidos a cantar
A morte do poeta.
Mas do palor da morte
Brotam versos
Odes, sonetos, baladas...
Ao gélido vento norte
sudários pelas estradas
Erguem seus uivos dispersos
Ante a luz das alvoradas.
A dor foi nosso caminho
Desde sempre a conhecemos
Pó de estrada tão velhinho
Que pisamos e bebemos.
Se por vezes nosso olhar
Se apaga à estrela do dia
Traz nas fimbrias do luar
Farrapos de poesia
É com ela que vivemos
Nossa deusa e companheira
Que nos vai calando a sede
Daquela morta ribeira
Que em tempos melodiosa
Cantava e ria para nós
Nesse juvenil sorriso
Que nos sustentava a voz
Agora que a dor que nos leva
Nos altera, nos segura
Nos resume e circunscreve
Ao inverso de outra era
Quando a luz da alvorada
Espargia a estrada de nós
Vamos alastrar no vento
a poeira do que fomos
Pra que o lembre a terra inteira
ou se eleve dos destroços
Da nossa vida perdida
Dos aflitivos enleios
da Esperança em nós prometida.
Marília Gonçalves
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