Marília Gonçalves (née en 1947) a vécu de longues années entre son Algarve natal et la France, où elle arrive pour la première fois en 1962. Ses premières lectures (entre autres, celle du poète brésilien abolitionniste Castro Alves) n’ont fait que consolider en elle une éducation familiale fondée sur des valeurs telles que la fraternité et la liberté, thèmes récurrents de sa poésie. A participé dans de nombreux récitals, militante politique anti-salazariste, Marília Gonçalves fut aussi une animatrice assidue de la première radio libre franco-portugaise de la région parisienne, Radio Club Português, dans les années 80. En 1991, les éditions ACAP 77 publient à Paris son premier recueil de poèmes intitulé « À procura do Traço » et tout récemment en juin 2006, Marília Gonçalves a reçu le 1° prix « Dar voz à poesia », organisé par la Mairie de Ovar (région de Aveiro) pour son poème o « Relógio da Torre ».
O Relógio da Torre
Para quê saber o fundo da angústia
este uivo vendaval que cedo surpreende
para quê conhecer a hora da argúcia
quando voam gaivotas sobre corpo de sede.
Remoinhos nos olhos levantam pensamentos
onde folhas de Outono poisaram tristemente
o cofre das lembranças e o de sentimentos
deixam voar saudades a desfazer-se sempre.
Só uma badalada no pêndulo da torre
por uma hora magra, breve que nos resta
enquanto sobre nós cada dia que morre
na espessura da noite vai cobrir a floresta.
O cantar de sereia vem do tempo de Ulisses
ou navio que se afasta na estridência do cais
a navegar a bruma duma ilha de Circe
no rouco som que parte para não voltar mais.
O perfume de Agosto sobe do fim do tempo
com risos a cantar e manhãs a nascer
mas são vozes do cofre, que estão em movimento
ou retratos antigos a chegar pra nos ver.
Tudo quanto nos cerca tem o tom conhecido
da constante paisagem do que somos na vida
como oferenda eterna do eco pressentido
no timbre cor de mel que nos serena ainda.
Minutos de surpresa e continua a espera
vertigem de viagem no encontro dos dias
mesmo se o mês de Outubro nos cheira a Primavera
vão pairando no ar as velhas sinfonias.
A mão que nos segura, vacilando fraqueja
o tempo tem limite, tem portas e fronteiras
o instante sereno que nosso alento beija
vai desfolhar a flor de nossas sementeiras.
Somos ainda sol amarelo de Verão
uma praia aquecida no acaso da tarde
uma palavra solta na voz duma canção
uma fímbria de luz na breve imensidade.
Uma certeza só, perdida, inviolável
que nada trairá nem poderá vencer
o encontro perene de olhar inevitável
vestido de distância, mas que nos faz doer.
O solitário apito, um chamamento apenas
acena-nos de leve a esperada viagem
e nossas pobres forças, humanas, tão pequenas
vão subir o degrau da última coragem.
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