Pelo poema que segue,abaixo, acabo de receber o seguinte email:
-Gostei muito. Obrigado Marília.
Senti os cheiros, os sons e a brisa da minha própria infância à distância de oitenta e mais anos
só por isso, daria todo o meu sentir: dar a alguém por um instante um pouco da sua infância
Marília.
Meu coração de poeta
nasceu em Lisboa um dia
numa cidade secreta
que há dentro da nostalgia.
Foi feito de largos gestos
de pais, de tios e de primos
e de emprestados avós...
E foi crescendo embalado
por pregões que ainda havia
nesse tempo ignorado
que a Liberdade mordia.
Meu coração de poeta
que me deu voz muito cedo
olhos e mãos e carícias
ia soletrando medo
no meu país de polícias.
Mas coração de poeta
tem asas e lesto voa
pra de repente cair.
Minha cidade Lisboa
poeta do meu sentir.
Calçadas, pedras e ruas
Praça do Chile, Avenidas
Arroios e seu mercado...
desdobravam-se-te vidas
no teu chão amordaçado.
Mas Lisboa era Lisboa
e um coração a nascer
descobre que ainda voa
mesmo se lhe faz doer.
Voavam jornais dobrados
pelas varandas adentro
dos meus olhos que guardavam
a poeira que em bailado
estremecia na janela
entre a luz do cortinado.
Lisboa era muito mais
era o Jardim Constantino
onde bandos de pardais
ensinavam o menino
o ardina sem jornais.
Mas ia muito mais longe
Lisboa não acabava
prolongava-se no mar
nas corridas das varinas
chinelas a dar a dar.
Minha Lisboa de cegos
tocadores de concertina
ou de carros de morangos
e de ciganas que às vezes
passavam a ler a sina ...
Minha Lisboa poeta
nos meus olhos de menina!
Marília Gonçalves
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