A Poesia como
Necessidade Interior Revelações da poetisa
Marília Gonçalves
Declarações recolhidas por D. Lacerda
Marília Gonçalves é uma das vozes poéticas mais vibran tes e puras que conhecemos
entre os portugueses de França.
Achando-se desde muito jovem, por relações de família,
envolvida na luta pela emancipação das camadas sociais desprotegidas,
os seus versos são portadores de rebeldia e de anseio de justiça.
O seu espírito solidário e universalista envolvem-na nos movimentos colectivos
e emprestam à sua poesia um forte élan expansivo e comu nicante que nos empolga,
“entrando em nós luminosa e potente”, como diz a poetisa.
Registamos aqui algumas das suas vivências e impressões que ajudarão
a melhor desenhar o seu universo poético.
Latitudes — Quando começou a escrever poesia a sério e em que circunstâncias?
Marília Gonçalves — Engraçado, pois, na verdade, nada tenho dessa época infantil
dos primeiros versos. Aliás tudo o que escrevi, tal como tudo o que encheu minha infância
, ficou na Amadora quando vim para aqui. Viemos quando tinha catorze anos; a casa foi desfeita -
o interior entenda-se - cerca de dois anos depois e nada mais tornei a ver,
mas os primeiros versos foram escritos a respeito de meu nome, aos dez anos.
Quanto a poesia a sério, partindo do princípio que o termo quer dizer o que parece,
só muito mais tarde depois de desbravar, sentir e pensar as palavras
, isto quando o tempo começou a pertencer-me um pouco aí é que me
que me dediquei verdadeiramente a escrever.
Latitudes — Qual a finalidade de se instalar em França?
M. G.— Finalidade não sei, mas o motivo esse foi da primeira vez
em menina o fazer frente às adversida des surgidas com a prisão política de meu pai e o despedimento do
Marília Gonçalves, 2006.
n° 27 - septembre 2006LATITUDES 83
A praça! A praça é do povo Como o céu é do condor
É o antro onde a liberdade Cria águias em seu calor! ... ... ...
A palavra! Vós roubais-la Aos lábios da multidão
Dizeis, senhores, à lava
Que não rompa do vulcão. Mas qu’infâmia! Ai, velha Roma, Ai cidade de Vendoma,
Ai mundos de cem heróis, Dizei, cidades de pedra,
Onde a liberdade medra
Do porvir aos arrebóis.
Irmão da terra da América, Filhos do solo da cruz,
Erguei as frontes altivas,
Bebei torrentes de luz...
Ai! Soberba populaça,
Dos nossos velhos Catões,
Lançai um protesto, ó povo, Protesto que o mundo novo Manda aos tronos e às nações.
Castro Alves
Alento
Névoa azul
Ou céu cinzento
Veludo por inventar
Na ascensão de poetas
às estrelas a boiar.
Nuvem de sonho miragem paraíso por escrever...
A força é termos coragem
Da coragem nos doer.
Marília Gonçalves
Lisboa tem olhos verdes
Que incolor pássaro trouxe Das arestas da poeira
Descoberta no instante.
Os olhos escureceram
Depois tornaram-se azuis De vozes que nos ficaram
Entre poemas perdidos.
O som distante do cravo
Entreaberta janela
Onde se imprimem as pautas De palavras que se perdem.
emprego que dela resultou, com todas as consequências que advie ram.
Da segunda vez tinha vinte e nove anos (já dobrei esse cabo)
por moti vos de saúde de meu filho, tinha visto os médicos aqui operarem
“milagres” no que respeitava ao meu pai, e confiava plenamente
no sistema social francês e na medi cina aqui praticada.
A na transformação da sociedade, pela maneira como penetram e tocam as
sensibilidades de cada um. Vejamos este excerto de O Povo ao Poder (ver ao lado).
Latitudes — Como viveu o período salazarista?
M. G. — Vivi-o como filha e fami liar de presos políticos, num meio esclarecido
politicamente, sabendo donde vinham os golpes, com total conhecimento
dessa realidade o que me permitiu ser uma jovem equilibrada e sem malquerer outro que não fosse aos causadores do sofrimento que afligia Portugal e o seu povo, e de que os meus iam sendo vítimas, meu pai, o avô que me criou, preso vinte e quatro vezes, com tudo que daí resulta, meu tio assassinado pela Pide, o “Alex”. Minha tia tinha, seis meses antes, perdido o filho pequeno e matavam-lhe ainda o marido, o companheiro.
84 LATITUDES n° 27 - septembre 2006
Com todas as peripécias que habi taram a minha jovem vida
, e que fazem parte da história da resistên cia ao fascismo, histórias tão dolo rosas, tão complexas,
não cabe aqui, no espaço duma entrevista, desenvolver o detalhado
de tais acontecimentos que, pela sua gravi dade, merecem o maior respeito ao ser narrados.
Quando aos dezasseis anos come cei a militar no bidonville de Saint Denis
foi com espírito solidário que comecei a dar lições de francês aos desertores
que chegavam. Porque se insurgiam contra duas das formas de opressão
que mais me perse guiam e aos meus, aos amigos, aos direitos do ser humano:
o fascismo e o colonialismo. Continuava presente Castro Alves.
Mesmo na voz de outros poetas o encontrava. Nesse período do exílio de meu pai,
dizia aqui por Paris a Maldição de Jaime Cortesão. Assim aos dezassete disse também
Catarina de Vicente Campinas e quadras do António Aleixo, entre outros.
A poesia era a mais bela de todas as armas contra o mais hediondo regime.
Que matava em Portugal no solo de Portugal às ocultas, hipocritamente,
com a falsi dade peculiar do salazarismo .Que matava além-Mar os negros filhos
africanos no solo próprio e para onde eram levados os filhos de Portugal
, tão jovens, obrigados a morrer ou a matar sem bem sabe rem porquê.
Mas, voltando às repercussões do fascismo sobre a minha vida, sabe, quando
o Notícias da Amadora1 foi criado, eu estava a assistir de muito
perto à sua criação já que o seu fundador foi precisamente um desses
poetas a que me referi ante riormente. Andei mesmo pela Amadora a distribuir
prospectos sobre o lançamento do jornal em Outubro de 1958.
Talvez influen ciada por esse acontecimento, tentei com onze
anos criar um jornal no Externato onde estudava.
Nada tinha o coitado de subversivo a não ser precisamente o facto de ser jornal,
mas a autorização foi-me negada. A directora disse-me que a Mocidade Portuguesa
não aprovava a criação do dito. Penso que a direc tora nunca teria feito oposição; pois
chegou mesmo a levar um repórter da rádio à escola onde eu disse e gravei
O menino de sua Mãe de Fernando Pessoa.
Nem sempre foi fácil, foi mesmo doloroso interromper a escolari dade,
mas a vida mandava e o caminho era sobreviver e com dignidade. Por vezes as lições da vida são fonte de autoconfiança, pois o certo é que a partir daí soube que pelo trabalho se vencem obstá culos; a menina tinha uma esplên dida chave ao seu alcance. Descobri, aos catorze anos, talvez prematura mente mas de modo definitivo, o valor do trabalho e a dimensão do esforço.
Latitudes — Como encara a adap tação dos seus poemas à música,
pois sabemos que possui alguns que obtiveram sucesso?
M. G.— É verdade que, para além da poesia que escrevo por impe
riosa necessidade interior, tenho escrito também poemas-letras de canções, que
o compositor Arlindo de Carvalho musicou.
São poemas escritos por medida adaptando a forma a surgir à música presente;
comigo tem sido assim. É uma outra forma de escrever visto que parto de músicas
já compostas, para a construção do poema, pelo que devo obedecer a ritmos, métrica
, tónicas e átonas essencial mente.
Quanto a êxitos possíveis de canções devem-se ao factor miste rioso que faz que umaù
canção seja melhor aceite que outra. Para além disso há a universalidade da Lingua
gem que é a música já que todos os povos, em qualquer ponto do mundo, a podem compreender.
Latitudes — Sabemos que colabo rou nas rádio-livres e que tem dado recitais.
O que a move a esse contacto poético com o público?
M. G. — Para além da indispensá vel expressão poética, a musicali
dade da palavra dita e o grito de revolta, penso que deve ter sido
raro dizer em púbico poemas outros que esses que apelam para o despertar
da colectiva consciência. Ou que apontam uma maneira de ver e de reflectir realidades, que
É no traço rectilíneo
De inventar gestos de fumo Que os olhos tornam-se verdes A neutralizar o rumo.
Esboço ténue da ideia
Onde a palavra perverte
O fundo negro que ondeia Na vertical da maré.
Há olhares que dissimulam Harpejo esférica estrela
Mas dentro deles procuram A circular forma branca.
Lisboa tem olhos verdes
Numa ode giratória
Afunda-se sol azul
A perfilar a memória.
Mas quando a sombra descai Na cidade que é mulher
Há o grito lancinante
Duma criança a nascer.
Marília Gonçalves
Vem!...
Poeta meu irmão
do mundo inteiro
está a sombra a doer
Tu és o companheiro
de múltiplo segredo
por colher.
Poeta meu irmão
põe-te a caminho.
há uma encruzilhada...
É preciso vir devagarinho Surpreender a estrada.
Poeta meu irmão
irmão de todos
De todos os poetas
por nascer
Há à nossa volta
hirsutos lobos
Querem comer.
Poeta meu irmão
e companheiro
de horas amargas...
Vamos rasgar no nevoeiro Estradas mais largas.
Poeta meu irmão
O ser humano
n° 27 - septembre 2006 LATITUDES 85
pede passagem
Vamos num verso
a todo o pano
dar-lhe coragem.
Vem!
Poeta meu irmão
está a sombra a doer!
Caminha Companheiro
É chegada a hora de vencer. Marília Gonçalves
Quand le dernier arbre sera abattu,
La dernière rivière empoisonnée, Le dernier poisson pêché,
Alors vous découvrirez
Que l’argent ne se mange pas.”
Quando a última árvore for abatida,
A última ribeira envenenada, O último peixe pescado,
Então vocês descobrirão
Que o dinheiro não serve para comer.
Provérbio dos índios do Canadá
podem, por vezes, parecer menos evidentes a alguns de nós.
Algumas vezes esses poemas são uma homenagem a todos os que,
vencendo a sombra e a dor, fize ram de suas vidas um efectivo e elevado combate.
Latitudes — Agora, são os fóruns através da Internet. Que descober tas mais surpreendentes tem feito. M. G
.— A mais bela de todas: a de que afinal somos milhares a partil har a mesma visão,
os mesmos anseios e, graças à Internet e à proximidade que nos traz de outros
povos, esta imensa partilha, a mesma humana luta, rumo ao porvir
. O que até aqui nem sempre era possível por razões diversas,
algumas das quais materiais Hoje, num segundo, podemos dialo gar com irmãos em qualquer
ponto do mundo. No fundo, a Internet é como o vasto mundo, cada um escolhe
o caminho que lhe interessa. Os humanistas e os poetas vão a caminho do ser Humano.
Latitudes — Para quando a conti nuidade ao livro “À Procura do Traço”
que publicou faz mais de dez anos? Sei que não lhe falta poesia escrita.
M. G. — Depois disso saíram anto logias às quais estou ligada, %
Elos de Poesia, do grupo do mesmo nome, de que há um ano saiu o primeiro número estando o segundo no prelo.
E em El Verbo Descerrajado, de edição chilena, no seguimento
do combate de poetas em solidarie dade para com companheiros poetas
chilenos prisioneiros ainda do tempo de Pinochet e que esta vam em greve da fome.
Quanto a livro de minha poesia, apenas falta editora, que os p
oemas, esses, brotam de espontâ neo manancial.
Latitudes — A Marília nasceu num meio familiar muito sensível aos movimentos
sociais e cedo interveio neles. Que perspectiva nos traça nesse aspecto da nossa actualidade
e daquela que mais de perto a sensi biliza?
M. G. — A visão, chamemos-lhe assim, que hoje tenho das perspec
tivas sociais rumo ao futuro, não se afastam de modo algum da minha infantil
esperança num amanhã justo e fraterno.
Nós, seres humanos, atravessámos as mais conturbadas épocas, erguemo
nos da nossa condição primitiva, descemos das árvores e através de milénios aprendemos
fazendo colheita de cada experiência, de cada aventura, de cada sofrimento
. Hoje o ser humano alcançou um estado avançado de conhecimento,
como não confiar que essa apren dizagem não possa deixar de levar nos ainda
a maior conhecimento e compreensão. É verdade que esta mos presentemente
confrontados com a realidade ecológica que vai a curto prazo obrigar-nos
a uma escolha de sociedade. Seria um enorme desperdício
e um absurdo que a espécie humana em amplo conhecimento
se autodestruísse, sem que um impulso rumo ao futuro a leve
pelo racional caminho que a tanto esforço preparou.
Por outro lado os horizontes políti cos e religiosos atravessam as suas próprias
crises lançando muitos de nós na incredulidade e no cepti cismo.
Mas a verdade essa em que sempre acreditei é que desde sempre
os escravos se libertam, mesmo se, quais espartacos ou cristos,
nos vão crucificando no caminho.
Por isso o meu credo infinito no ser humano e na sua capacidade
de reflectir. Ante a escolha mais simples: a vida ou a morte, com
o respeito que a vida em sua origem nos merece.
E nesse respeito pela vida própria tudo se definirá política e social mente.
A Natureza e suas leis alia ram-se inevitavelmente aos que nunca tiveram
poder de decisão sobre as agressões que sofreu
E, porque a nossa inteligência vai saber afastar-nos de tão trágica conclu
, a esperança continua acesa e é sempre o caminho a escolher ●
1 Este semanário local era dos mais arrojados nos comentários e artigos que publicava, nessas décadas antes de Abril 74, tendo conquistado uma audiência nacional e muitos leitores em França.

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Jornal de Poesia
Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes? / Em que mundo, em que estrelas tu te escondes / Embuçado nos céus? /Há dois mil anos te mandei meu grito / Que, embalde, desde então corre o infinito... / Onde estás, Senhor Deus?
Castro Alves
MINHA LEI E MINHA REGRA HUMANA: AS PRIORIDADES.
Marília Gonçalves
Grandes almas sempre encontraram forte oposição de mentes medíocres.
Albert Einstein
Albert Einstein
Perguntas Com Resposta à Espera
Portugal ChamaS e Não Ouvem a Urgência de Teu Grito? Portugal em que http://www.blogger.com/img/gl.bold.gifinevitavelmente se incluem os que votando certo, viram resvalar de suas mãos a luz em que acreditavam; A LUTA CONTINUA )
Quem Acode à Tragédia de Portugal Vendido ao Poder dos Financeiros?! Quem Senão TU, POVO DE PORTUGAL?! Do Mundo inteiro a irmã de Portugal a filha. Marília Gonçalves a todos os falsos saudosistas lamurientos, que dizem (porque nem sabem do que falam) apreciar salazar como grande vulto,quero apenas a esses,dizer-lhes que não prestam! porque erguem seus sonhos sobre alicerces de sofrimento, do Povo a que pertencem e que tanto sofreu às mãos desse ditador!sobre o sofrimento duma geração de jovens ( a que vocês graças ao 25 de Abril escaparam)enviada para a guerra, tropeçar no horror e esbarrar na morte, sua e de outros a cada passo! sobre o sofrimento enfim de Portugal, que é vossa história, espoliado de bens e de gentes, tendo de fugir para terras de outros para poder sobreviver, enquanto Portugal ao abandono,via secar-se-lhe o pobre chão, sem braços que o dignificassem! Tudo isso foi salazar, servido por seus esbirros e por uma corte de bufos e de vendidos, que não olhavam a meios,para atingir seus malévolos fins!Construam se dentro de vós há sangue de gente, vossos sonhos, com base na realidade e não apoiando-os sobre mitos apodrecidos, no sangue de inocentes!!! Marília Gonçalves (pois é! feras não têm maiúscula!!!)
Quem Acode à Tragédia de Portugal Vendido ao Poder dos Financeiros?! Quem Senão TU, POVO DE PORTUGAL?! Do Mundo inteiro a irmã de Portugal a filha. Marília Gonçalves a todos os falsos saudosistas lamurientos, que dizem (porque nem sabem do que falam) apreciar salazar como grande vulto,quero apenas a esses,dizer-lhes que não prestam! porque erguem seus sonhos sobre alicerces de sofrimento, do Povo a que pertencem e que tanto sofreu às mãos desse ditador!sobre o sofrimento duma geração de jovens ( a que vocês graças ao 25 de Abril escaparam)enviada para a guerra, tropeçar no horror e esbarrar na morte, sua e de outros a cada passo! sobre o sofrimento enfim de Portugal, que é vossa história, espoliado de bens e de gentes, tendo de fugir para terras de outros para poder sobreviver, enquanto Portugal ao abandono,via secar-se-lhe o pobre chão, sem braços que o dignificassem! Tudo isso foi salazar, servido por seus esbirros e por uma corte de bufos e de vendidos, que não olhavam a meios,para atingir seus malévolos fins!Construam se dentro de vós há sangue de gente, vossos sonhos, com base na realidade e não apoiando-os sobre mitos apodrecidos, no sangue de inocentes!!! Marília Gonçalves (pois é! feras não têm maiúscula!!!)
terça-feira, 17 de setembro de 2024
A Poesia como Necessidade Interior Revelações da poetisa Marília Gonçalves
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