Os Putos
Uma bola de pano, num charco
Um sorriso traquina, um chuto
Na ladeira a correr, um arco
O céu no olhar, dum puto.
Uma fisga que atira a esperança
Um pardal de calções, astuto
E a força de ser criança
Contra a força dum chui, que é bruto.
Parecem bandos de pardais à solta
Os putos, os putos
São como índios, capitães da Malta
Os putos, os putos
Mas quando a tarde cai
Vai-se a revolta
Sentam-se ao colo do pai
É a ternura que volta
E ouvem-no a falar do homem novo
São os putos deste povo
A aprenderem a ser homens.
As caricas brilhando na mão
A vontade que salta ao eixo
Um puto que diz que não
Se a porrada vier não deixo
Um berlinde abafado na escola
Um pião na algibeira sem cor
Um puto que pede esmola
Porque a fome lhe abafa a dor।
Uma bola de pano, num charco
Um sorriso traquina, um chuto
Na ladeira a correr, um arco
O céu no olhar, dum puto.
Uma fisga que atira a esperança
Um pardal de calções, astuto
E a força de ser criança
Contra a força dum chui, que é bruto.
Parecem bandos de pardais à solta
Os putos, os putos
São como índios, capitães da Malta
Os putos, os putos
Mas quando a tarde cai
Vai-se a revolta
Sentam-se ao colo do pai
É a ternura que volta
E ouvem-no a falar do homem novo
São os putos deste povo
A aprenderem a ser homens.
As caricas brilhando na mão
A vontade que salta ao eixo
Um puto que diz que não
Se a porrada vier não deixo
Um berlinde abafado na escola
Um pião na algibeira sem cor
Um puto que pede esmola
Porque a fome lhe abafa a dor।
Ary dos Santos
****************************************A criança que fui chora na estrada
A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.
Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.
Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,
Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.
de Fernando Pessoa
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POEMA PARA UMA CRIANÇA-DE-RUA
RUI LÔBO
Pássaros voam além nuvem
o dia está lindo...
o sol desponta sorridente
fazendo acordar mais um dia
e secando o orvalho das folhas.
O galo canta no quintal
o gato responde com um miado do telhado
os cães ladram impondo a sua posse,
confirmando a beleza do dia.
Abre-se uma das janelas da rua
d'onde aparece a formosa moça de transas
que alegre responde ao bom-dia do padeiro.
O dia está lindo...
Cambaleando, o boêmio vai para a casa dormir
e o cheiro de café inunda toda a rua.
O dia está lindo...
Uma música triste sai lentamente de uma das casas
do outro lado da calçada, uma criança-de-rua,
acorda de um sono de uma noite sem dormir:
Está morta de frio e de fome.
Ela não consegue enxergar
que o dia está lindo!
*********************************************
A Criança que Pensa em Fadas
A CRIANÇA que pensa em fadas e acredita nas fadas
Age como um deus doente, mas como um deus.
Porque embora afirme que existe o que não existe
Sabe como é que as cousas existem, que é existindo,
Sabe que existir existe e não se explica,
Sabe que não há razão nenhuma para nada existir,
Sabe que ser é estar em algum ponto
Só não sabe que o pensamento não é um ponto qualquer.
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pesso
RUI LÔBO
Pássaros voam além nuvem
o dia está lindo...
o sol desponta sorridente
fazendo acordar mais um dia
e secando o orvalho das folhas.
O galo canta no quintal
o gato responde com um miado do telhado
os cães ladram impondo a sua posse,
confirmando a beleza do dia.
Abre-se uma das janelas da rua
d'onde aparece a formosa moça de transas
que alegre responde ao bom-dia do padeiro.
O dia está lindo...
Cambaleando, o boêmio vai para a casa dormir
e o cheiro de café inunda toda a rua.
O dia está lindo...
Uma música triste sai lentamente de uma das casas
do outro lado da calçada, uma criança-de-rua,
acorda de um sono de uma noite sem dormir:
Está morta de frio e de fome.
Ela não consegue enxergar
que o dia está lindo!
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A Criança que Pensa em Fadas
A CRIANÇA que pensa em fadas e acredita nas fadas
Age como um deus doente, mas como um deus.
Porque embora afirme que existe o que não existe
Sabe como é que as cousas existem, que é existindo,
Sabe que existir existe e não se explica,
Sabe que não há razão nenhuma para nada existir,
Sabe que ser é estar em algum ponto
Só não sabe que o pensamento não é um ponto qualquer.
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pesso
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