CANÇÃO DE ALANDROAR
(Poema dito em 4 de Outubro de1986 na escadaria do castelo de Alandroal perante uma
audiência de centenas de pessoas)
Aquela branca flor de alandroeiro
era a única luz do alandroal.
Nem a lua rompia o nevoeiro
nem o sol punha um riso matinal.
Ali reinava a treva o dia inteiro.
Ser de noite era um estado natural.
Não duravam as flores no canteiro
e apodrecia a água no canal.
O vento ameaçava, em tal berreiro
que tremia de medo o canavial.
Trovejava o relâmpago certeiro
zunindo como um látego infernal.
Tal o rancor, o ódio verdadeiro
a abater-se em torrente no local,
que até mesmo o impávido coveiro
pedia ajuda aos mortos do coval.
Mas o povo sorria, prazenteiro,
numa beatitude divinal.
Bailava e patinhava no lameiro
indiferente aos dentes do chacal.
Os homens riam com olhar rafeiro
e as crianças, em saltos de pardal,
vinham brincar com ossos no palheiro
e mascarar a dor de carnaval.
Foi quando rebentou a flor. Primeiro
era um botão, um tópico, um sinal.
Depois desabrochou e, logo, um cheiro
a espaço aberto dominou o vale.
Vieram as crianças a terreiro
entoando cantigas de natal.
Veio o pastor, o cavador, o oleiro,
o almocreve, a ceifeira, o maioral.
Uma flor branca abriu ao povo inteiro
o clarão de uma esperança universal.
Amainou a água turva do ribeiro,
deixou de ser agreste o matagal.
Estoiraram foguetes no outeiro,
repartiu-se irmãmente o pão e o sal.
Já se apertava o braço ao companheiro,
abriam-se olhos negros no olival.
Eis que, lá longe, surge um cavaleiro
galopando veloz, branco de cal,
num corcel negro a deslizar ligeiro
como núvem em pleno temporal.
Aproxima-se mais o viageiro
(esqueleto emergido do coval).
Traz na boca um sorriso traiçoeiro
e, a tiracolo, o ódio no bornal.
Desembaínha um arrepio. Ligeiro
esconde-se nas sombras de um portal.
Desfere um golpe. E a flor do alandroeiro
cai, desfeita de dor, no lodaçal.
Um grito de alma ecoa no terreiro.
Um pesadelo instala-se, brutal,
quando a flor branca rola no ribeiro
e parte, envolta num palor mortal.
No mesmo instante, a meio de um junqueiro,
brota uma flor de sangue, sem igual.
Desde esse dia de ódio derradeiro
nunca mais ninguém riu no alandroal.
Carlos Domingos
(Poema dito em 4 de Outubro de1986 na escadaria do castelo de Alandroal perante uma
audiência de centenas de pessoas)
Aquela branca flor de alandroeiro
era a única luz do alandroal.
Nem a lua rompia o nevoeiro
nem o sol punha um riso matinal.
Ali reinava a treva o dia inteiro.
Ser de noite era um estado natural.
Não duravam as flores no canteiro
e apodrecia a água no canal.
O vento ameaçava, em tal berreiro
que tremia de medo o canavial.
Trovejava o relâmpago certeiro
zunindo como um látego infernal.
Tal o rancor, o ódio verdadeiro
a abater-se em torrente no local,
que até mesmo o impávido coveiro
pedia ajuda aos mortos do coval.
Mas o povo sorria, prazenteiro,
numa beatitude divinal.
Bailava e patinhava no lameiro
indiferente aos dentes do chacal.
Os homens riam com olhar rafeiro
e as crianças, em saltos de pardal,
vinham brincar com ossos no palheiro
e mascarar a dor de carnaval.
Foi quando rebentou a flor. Primeiro
era um botão, um tópico, um sinal.
Depois desabrochou e, logo, um cheiro
a espaço aberto dominou o vale.
Vieram as crianças a terreiro
entoando cantigas de natal.
Veio o pastor, o cavador, o oleiro,
o almocreve, a ceifeira, o maioral.
Uma flor branca abriu ao povo inteiro
o clarão de uma esperança universal.
Amainou a água turva do ribeiro,
deixou de ser agreste o matagal.
Estoiraram foguetes no outeiro,
repartiu-se irmãmente o pão e o sal.
Já se apertava o braço ao companheiro,
abriam-se olhos negros no olival.
Eis que, lá longe, surge um cavaleiro
galopando veloz, branco de cal,
num corcel negro a deslizar ligeiro
como núvem em pleno temporal.
Aproxima-se mais o viageiro
(esqueleto emergido do coval).
Traz na boca um sorriso traiçoeiro
e, a tiracolo, o ódio no bornal.
Desembaínha um arrepio. Ligeiro
esconde-se nas sombras de um portal.
Desfere um golpe. E a flor do alandroeiro
cai, desfeita de dor, no lodaçal.
Um grito de alma ecoa no terreiro.
Um pesadelo instala-se, brutal,
quando a flor branca rola no ribeiro
e parte, envolta num palor mortal.
No mesmo instante, a meio de um junqueiro,
brota uma flor de sangue, sem igual.
Desde esse dia de ódio derradeiro
nunca mais ninguém riu no alandroal.
Carlos Domingos
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