Era então uma menina
lembro-me bem....
teria merecido outra vida
escolhida sei la por quem
porque esta que me desagrada
me agrava e incomoda
fui eu quem a escolheu!...
por isso meu engano tem silêncios
rarefeitas palavras nuas frias
onde mergulham sonhos velhos perdidos
palavras para quê para quê metáforas
a única verdade que se inscreve
é a realidade são os factos
contra os quais nem pode o tempo ou eu.
Tentada que esteja em dizer minha culpa
aqui d'el rei, ai que me mata a minha própria ignorância
agora distante da infância bato com a mão no peito
do mal que a mim me fiz
tanta inocência tão convicta
maldita adolescência que nos grita
o que julgamos na verdura saber
e vamos vegetar a vida inteira
pendurados na pernada rasteira
que nada deixa ver
ai quem acode à minha meninice !...
quem diz o que calei
quem foi que o disse
aqui ao coração da minha porta
e eu não quis ouvir
nunca se quer consentir criança
quando se olha crescer
o universo sempre desconhecido
apenas um murmúrio muito lento
vem mostrar ainda o movimento
dos versos que me furam o ouvido
ai quem pudera ainda ser menina
voltar a não saber
ter ainda tempo
olhar a gargalhar asas de vento
e confiar.... confiar outra vez
ser a mesma candura o mesmo franco riso
desenhar ainda em mim o paraíso
e ver-me ser mulher
poisa nas minhas mãos a madrugada
vou a caminho de mim
não sou mais eu
apenas o fantasma transparente
que ninguém vê
que chora ri e sente
sempre o mesmo porque..
Sou hoje uma andorinha breve
filha da primavera
com asas de escamas luminosas
braços de algas distantes a acenar
o tempo...é isso que me falta
e o pensamento triste que me assalta
nunca me pertenceu
è um pensamento colectivo
que se reparte porque nele vivo
com perfume de pão e de todas as hortas
um pomar de risos de laranjas
que são sumo
sobre os lábios dos dias do meu rumo
esvoaçam os pardais ....
ai, andorinha sou
asas de lume
e da distância vem
doce o perfume
da terra-mãe.
Marília Gonçalves
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