DOS TEMPOS SOMBRIOS AO VERMELHO DO CRAVO
Era noite, treda noite
Nas malhas da escuridão
Cada caminho aflição
Nem pálida luz se via
Nem cintilar d’emoção
Nem um pipilar se ouvia
No longe ladrava o cão.
O ribeiro que cantava
Certas noites de luar
Ali a voz que calava
Mais lembrava a voz do mar
Quando se lança aos penedos
A rugir como trovão.
Nesse desenho sombrio
Que apavora o caminhante
O vento sob repuxo
Volúvel gira constante.
Na terra ninguém se via
Que a tal pudesse valer
De longe a fímbria do dia
Teimava ainda em não ser.
De quantas noites houvera
Desde idades bestiais
Nunca ninguém conhecera
O horror de noites tais.
Ameaça circundante
Envolvia campo e lar
Chorava ao seio a criança
Fugia o gato a miar.
Houve no terror do tempo
Quem fosse semear dia
As pobres casas tremiam
Entre mãos de ventania.
Aqui ali pelo chão
Manchas escuras gemiam
Onde o abutre espreitava
Cada força que caía.
Moravam dentro da sombra
Seres ainda mais sombrios
Todos tecidos em medo
Sobressalto de pavor.
Meu Deus, que noite comprida
A estender-se tempo fora
Alimentada por vida
Em ódio à luz da aurora
Tal como se não bastasse
Essa horrenda escuridão
Fizeram grutas esparsas
Guardadas por um dragão
Bicho-de-sete-cabeças
Em cada uma delas tinha
Uma boca de serpente
Donde veneno saía.
De tal modo repelente
Sujo, ameaçador
Tinha garras recurvadas
Prontas a cravar no dia
As espadas afiadas
Que o povo a sangrar temia.
Parecia a todos que a noite
Nunca mais acabaria.
Estalava firme o açoite
Sobre o dorso que se erguia
Fosse de dia ou de noite
A Fera horrenda mordia.
Foi o tempo prosseguindo
Anos formavam em décadas
O olhar do ser humano
Erguido caia em terra.
Mas tantas vezes caiu
Que aprendeu a reerguer
Desse seu corpo dorido
A força para vencer!
Ficaram pelos caminhos
Valentes d’entre os valentes
As aves fugindo aos ninhos
Enfrentavam as serpentes
Décadas forma passando
A escuridão prosseguia
Mas o sangue semeado
Secava e refloria.
Em cada dor aprendia
O gesto a não repetir
Ao longe a luz que surgia
Era flâmula do porvir.
Homens e Mulheres de pé
Crianças Adolescentes
Formavam onda e maré
Oceano em novas gentes.
Até que um dia, em que a luz
Assinou o pacto humano
E corações seminus
Gritaram nem mais um ano
Nem mais um dia
E então
Portugal floriu em Cravos
Era o fim da aflição
Portugal cheio de bravos
Rasgou a noite do luto
Soldados o Povo e Cravos
Num novo dia impoluto
Derrubaram os agravos.
Marilia Gonçalves
Associada ASM
João Andrade da Silva e Salgueiro Maia
dois HOMENS de ABRIL
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