Poeta Castrado, Não!
Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!
Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegada poesia
quando ela nos envenena.
Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:
De fome já não se fala
- é tão vulgar que nos cansa -
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?
Do frio não reza a história
- a morte é branda e letal -
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?
E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
- um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
- Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia !
Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado, não!
«O Futuro»
de José Carlos Ary dos SantosIsto vai meus amigos isto vai
um passo atrás são sempre dois em frente
e um povo verdadeiro não se trai
não quer gente mais gente que outra genteIsto vai meus amigos isto vai
o que é preciso é ter sempre presente
que o presente é um tempo que se vai
e o futuro é o tempo resistenteDepois da tempestade há a bonança
que é verde como a cor que tem a esperança
quando a água de Abril sobre nós cai.O que é preciso é termos confiança
se fizermos de maio a nossa lança
isto vai meus amigos isto vaiAry
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Tributo a Luís Cília
Luís Cília denunciava a guerra colonial em Paris nos anos 60 nomeadamente na Associação dos Originários de Portugal onde se juntavam desertores, exilados, cantores, poetas ( estou ainda a vê-lo ali na primeira fila de farta cabeleira branca, o Vicente Campinas de olhar em fogo que nos dizia: Adiante!),artistas que partilhando as mesmas ideias e a mesma vontade de Justiça que viriam a permitir um regresso à Pátria Libertada. Aí através de canções, poemas, palavras, se alimentava a Esperança
Antecipando Abril esse dia 25 de Abril, nascido de jovens Capitães
que restituíram a Portugal o olhar digno e Universal a que tinha direito
Marília GonçalvesLuis Cília - um percurso...
Tributo a Luis Cília
Luís Cília foi o primeiro cantor de intervenção que no exílio denunciou a guerra colonial e a falta de liberdade em Portugal. Gravando ininterruptamente a partir de 1964, realizou uma actividade musical, tanto discográfica como no que concerne à realização de recitais, tendo-se profissionalizado em 1967. Mas para além disso, Luís Cília, durante vários anos dedica-se ao estudo de harmonia e composição, o que é algo invulgar no universo dos cantores de intervenção. Esta formação musical fez de Luís Cília um dos mais respeitados compositores da actualidade, procurado pelas mais importantes instituições, nomeadamente desde que, nos anos 80, optou pela composição pura, o que aconteceu também, devido às muitas solicitações.
Eduardo Raposo, in Canto de Intervenção 1960-1974, Lisboa,2000, p. 74
A Bola
Rola
Sangrenta
Uma bola
No chão
De Angola.
O dia
Vai alto,
Brilha
O sol
Na poeira
Incendiada.
Soldados
Jogam
Futebol
Com a bola
Que pula
Sangrando
No chão
De Angola.
Ninguém
Distingue
Na bola
Ensopada
Na areia
Empastada
Na erva
Que gira
No solo
A cabeça
De um negro
Sangrando
Que rola
No chão
De Angola
Portugal-Angola
Portugal-Angola - Chants de Lutte
1a – Meu país
Meu país meu pais
Do céu límpido calmo
De campos cultivados
De praias e montanhas.
É para ti meu canto
A minha esperança.
Ouço a tua voz triste
Oh, meu país sem culpa
Ouço-a nos dias mornos
No amanhecer cinzento.
E é para ti meu canto
A minha esperança.
Meu país onde a traição domina
E o medo assoma nas encruzilhadas
Meu país de prisões e covardias
E de ladrões de estradas.
Meu país de operários
Cavadores, marinheiros
Meu país de mãos grossas
Plebeu, sensual, resistente.
É para ti meu canto
A minha esperança.
Para ti meu país
Levanto a minha voz sobre o silêncio
Desta noite de angústias
E de medos.
Nada pode calar
O nosso riso aberto
Ei-lo que invade
A terra portuguesa
E vozes juvenis formam o coro.
Por isso é para ti meu canto
A minha esperança.
Já ouço passos,
Vêem na distância
Desfraldando bandeiras e cantando
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