Pela DEFESA da REFORMA AGRÁRIA:
Prisão e Humilhações para com um Homem de Abril, um dos Homens sem Sono!!!!
Marília Gonçalves POETA del MUNDO
Caríssimo Companheiro de Abril Andrade e Silva
Dirijo-me em especial a si, porque foi magoado E INJUSTAMENTE após o 25 de Abril
Que isso possa ter acontecido a um dos Homens da Liberdade dos que nos ofertaram a Luz há tanto negada, que nos deram a possibilidade de beber Ar de o sorver, como nunca dantes havíamos feito, parece-me de tal modo absurdo e ridículo, tão ingrato como falto do mais elementar sentido humano para quem tal fez
Mas como no outro dia referi numa resposta a si também
O 25 de Abril foi decerto a mais bela página de História que se escreveu em Portugal e até no Mundo
Uma Revolução em que quem detinha as armas tudo fez para nunca ter que servir-se delas!
Mas nem a melhor revolução pode operar milagres, as mentalidades foram parte da herança desse quarenta e oito anos de sofrimento do nosso País.
Por isso pelo vosso humanismo exemplar é o meu coração de menina que foi magoado também e prematuramente que vos diz Obrigada!
Por isso que mais uma vez vou escrever aqui mais um pedacinho de acontecimentos da minha vida de menina filha de antifascista
O meu pai pertencia ao MUD.
Se é certo que as simpatias políticas eram vermelho vivo
era esse o Movimento a que estava ligado.
Meu pai foi preso a 22 de Maio de 1958.
Lembro-me de tudo como se fosse hoje e se não esqueci a data, é que na véspera 21 por conseguinte , tinha sido o aniversário de meu pai.
De manhã nesse dia 22 fui para o Externato que frequentava . Vivíamos na Amadora.
Do que na classe se passou nessa manhã não me lembro de nada de especial porque não havia razão para isso. Uma manhã em que a vida decorria como em todas as outras manhãs e tardes escolares.
À hora de almoço fui a casa para cerca das 14 horas entrar nas aulas outra vez.
Quando cheguei a casa , eu tinha então dez anos, minha mãe veio abrir-me a porta.
Nada havia na expressão de minha mãe que me alertasse para o que quer que fosse.
Foi por isso com espanto que ao ir entrando corredor adiante, comecei a ver a casa virada dos pés para a cabeça, tudo entornado no chão! Tudo fora do sítio habitual. Gavetas fora dos móveis roupas por todo o lado Dirigi-me à cozinha. O mesmo espanto!
Tudo revirado e até a despensa tinha as prateleiras esvaziadas. Tudo, tudo espalhado por todo o lado.
Enquanto fui observando aquele estado de coisas não me lembro de mais uma vez ter notado algo de estranho no rosto de minha mãe.
Mas as palavras que o espanto havia retido, acabaram por sair em forma de pergunta. O que é que aconteceu? E minha mãe o mais naturalmente do mundo respondeu-me:
- Nada! Foi o papá que teve que teve que ir para o Porto de repente e não sabia de umas coisas importantes que tinha que levar e com a pressa foi isto que deu.
- Lembro-me de um mutismo que me tomou, crédula mas estranha. Eu era uma criança sensível que já dizia poesia há alguns anos e em vários sítios. A própria directora do externato que era uma pessoa extraordinária de rectidão e justiça que fazia desabelhar as crianças assim que aparecia, pela sua expressão que podia à primeira vista parecer dura, me chamava quando havia algum momento livre para ir declamar para ela. E quanto mais o poema apelasse para sentimentos humanos mais ela exultava. Pois mesmo essa sensibilidade não conseguiu captar senão aquela sensação de espanto que me invadiu.
- É verdade que não muito antes, uma tarde, meu pai chegara a casa com o fato manchado de azul e algo ofegante. Ouvi-o a dizer a minha mãe que na manifestação em Lisboa a guarda republicana lançara os cavalos sobre a multidão e que lhe parecia que umas crianças que iam a passar, não teriam ficado bem.
- Mas a conversa não era comigo e nada mais fiquei a saber.
Não percebia patavina de política nessa idade. O que me ensinavam era a proteger os mais fracos, os pobres a gostar das pessoas Mas política, daquilo que pensavam ou faziam até aí nada soube.
Minha avó materna apareceu (para mim inopinadamente e levou-me para casa de familiares onde vivia a sua irmã Josefa, ( a viúva do Alfredo Dinis), mas isso na altura ainda sabia menos, nem que tal pessoa tinha existido. Nessa casa que era a da irmã do Alex, fui recebida com carinho muito mais intenso que o habitual. É possível que bem no fundo de mim começasse a germinar alguma sementinha de ideia, mas sem mais. Uma impressão, uma estranha impressão.
Não voltei à escola até ao fim de semana. No Domingo seguinte minha mãe que estava grávida, tinha mandado fazer um vestido e um casaco comprido rosa velho, parece que o estou a ver...
Disse-me:
- vais ao casamento da prima mas assim que chegares dizes que o papá foi para o Porto e que por conseguinte nem sei se tenho que ir ter com ele, portanto não vou ao casamento, embora tenha muita pena.
É claro que essa minha frase à chegada perto da família tinha a finalidade de os prevenir da minha ignorância dos factos. Assim aconteceu. Acabado o recado fizeram-me um sorriso meigo e nada mais.
Na segunda-feira de manhã, minha mãe completamente tranquila quanto ao meu estado de desconhecimento, preparou-me e lá fui para a escola. Externato ou não externato nunca me lembro de dizer senão vou para a escola.
Acabada de sentar na minha carteira, entra a Isabelinha, neta dum amigo de meu pai, e rápida
Lança-me;
Então o teu pai foi preso? De repente num salto estava em pé, e sem hesitar, numa verdade luminosa que não sabia donde me surgia retorqui enérgica:
- Está ! Mas não foi por matar nem roubar! Mas porque é bom!
- Companheiro, nesse momento ergui alto a cabeça e os olhos num jeito que me ficou até hoje e nunca mais em nenhuma circunstância, alguém conseguiu vergar-me a cabeça nem fazer-me baixar os olhos.
E era apenas o início de uma época de provações e de privações que mesmo nesse momento não podia prever. A prisão embora curta, a tortura a perda do emprego que adveio e as suas consequências agravaram a saúde frágil de meu pai!
E tudo a dado momento se fechou à minha frente.
Até que com catorze anos depois de passarmos por muita falta, a que respodemos com trabalho a que nao ndaramm alheios meus braços de doze anos; vim com minha mãe abrir caminho para a vinda de meu pai que começara com vómitos de sangue pouco tempo depois de ser libertado.
À chegada a França em 62 não era já a menina ingénua que chegava
Era uma mulher que a dor e as privações haviam amadurecido prematuramente
E deitei-me ao trabalho! Sempre com o mesmo olhar bem erguido!
Mas o que recordo mesmo de casa de mais familiares de casa de meu avô, o tal que era enfermeiro, avô emprestado de segundas “núpcias” de minha avó, mas avô de coração era aquela frase que voltava sempre: isto já está por pouco Não tarda cai!
Pois, mas os anos foram passando e o fascismo não caía, armado de pedra e cal parecia ser!
Até que foi Abril. (1)
Como duvidar de Abril? Como duvidar do futuro ridente de Portugal! Abril é uma conquista que nunca se perderá! poderá passar e atravessar trilhos tortuosos, mas há-de erguer –se sempre à luz do dia
Porque Abril foi a palavra justa que restituiu a voz a todos os que a dor tinha silenciado
Eu fui apenas uma entre casos e casos sem fim de crianças de quem conheço historias que só muita maldade podiam provocar.
Essa maldade que fechava os olhos ao povo de Portugal era o salazarismo o fascismo de uma hipocrisia ímpar, de falsos sorrisos, de palavras que se fingiam mansas para enganar incautos.
Os outros os que sabiam, e calaram e participaram, mesmo para a consciência própria que durante anos não tiveram, no momento da morte às vezes ela acorda de dedo acusador e não queria estar no lugar deles.
E isso amigos e Companheiros o povo de Portugal há-de sempre, porque é bom generoso e fraterno, vir lembrar a quem tente ofender ou ferir Abril, que Abril é para sempre a Voz da Liberdade a Voz de Portugal!
Até hoje nunca tinha querido escrever estes factos, (salvo em poema que escrevi para crianças da minha rua quando meus filhos eram pequenos).
pensei que a dor que mora nestes acontecimentos me faria estoirar de aflição.
Como vê resisti a esta primeira prova do fogo! Quem sabe talvez um dia venha contar mais alguma página da minha vida infantil
Até sempre Capitães!!!!
Marília Gonçalves
(1) um dia contarei como se viveu na família e à nossa volta o decorrer de amanhecer único
que nos devolvia às nossas próprias vidas, de história desviada e em muitos campos interrompida
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OUTRA CARTA AOS MEUS MAGNÍFICOS CAPITÃES
Olá Companheiros Vivam Capitães de Abril!!
Olá Companheiros Vivam Capitães de Abril!!
Sobre a vergonhosa eleição Salazar "o maior português de sempre" em programa da RTP
(foi sim o mais importante, o maior pelo mal que nos fez, pelo progresso que nos negou
pelos jovens que mandou para a guerra Colonial, meninos quase!
em 1964 ao bairro da lata de St Denis (bidonville), perto de Paris ,chegavam imensos desertores
eu tinha dezasseis anos quando comecei a ir para lá como militante antisalazarista
morava não muito longe e através da Bourse du Travail (CGT) que dispensava um local para isso dava aulas de francês aos jovens que chegavam.
Encheu-se o bairro da lata de desertores a exilados económicos fugindo a miséria e a dureza da vida. E quem estava no Poder nessa altura em que Portugal se esvaziava de tanto braço, tanto cérebro, tanto coração que teria sido tão útil pra fazer um País? Estava o Salazar!!
E agora elegem-no como modelo? Olhe que como estadista teve a sabedoria rara de arruinar Portugal. As guerras coloniais levavam se não estou em erro cerca de metade do orçamento de Estado de Portugal!! Isso era da responsabilidade do seu mandar
O esvaziar dos campos que ficaram ao abandono! A ele se deveu o povo fugir para o estrangeiro onde não ia ninguém apanhar pepitas do chão, mas trabalhar duro, sofrer humilhações, insultos, viver em barracas com fossas públicas para as necessidades
Uma tarde se sábado cheguei como acontecia tanta vez ao bairro da lata de St Denis, e qual não é o meu espanto, quando vejo carros da polícia e o povo em ajuntamentos por aqui e por ali. Perguntei de imediato o que se passava. Veio gente ter comigo o próprio Comissário se aproximou .
É que ali por assim dizer francês ninguém falava, uma palavra solta aqui e ali mas para explicarem o ocorrido estava a ser difícil.
E o que se tinha passado? Duas crianças brincavam juntas. Uma menina de quatro anos e um bebé de cerca de ano e meio. O bebé caiu numa tal fossa dessas que referi acima, num barracão de lata com um buraco no meio; com umas tábuas atravessadas para apoiar os pés. E dentro as acumuladas e pestilentas dejecções. Foi aí que o bebé caiu. Caiu e afogou-se ! afogou-se na porcaria ! Um bebé!!! E isto povo de Portugal, Ah isto foi esse Salazar que governou tão mal Portugal quem o fez! Quando condenava quem trabalhava à miséria, à fome. E em consequência partir.
Depois de ajudar com as minhas traduções a polícia a compreender o caso das crianças, já que queriam ter certeza que tinha sido o acidente que parecia, estes foram embora um pouco surpreendidos por encontrar ali uma miúda que todos ali conheciam bem! Não chegou a polícia a saber porquê. (mesmo em França os portugueses estavam proibidos de fazer política)
Quando a polícia foi embora fiz comício sim.
Que ninguém me encomendou. Mas era a minha consciência de ser humano inflamada pelo horror que acabava de presenciar dos meus dezassete anos estreados há pouco.
Tudo isto, cada pagina trágica de História do povo de Portugal cada facto fazem parte do regime fascista que tinha por chefe mor Salazar!
Esse que esbanjou numa guerra injusta o dinheiro que Portugal devia ter para se desenvolver. O mesmo que amandava para as prisões, todos os que diziam que Portugal e o povo português tinham direito a uma vida digna já que com dignidade o povo trabalhava.
O mesmo Salazar que criou a PIDE essa polícia maldita que torturava, prendia, assassinava, reduzia ao desespero presos e familiares, entre os quais as crianças! Essa polícia que era capaz de apagar cigarros em pálpebras, de espetar palitos em unhas, de obrigar a fazer a estátua sem se poderem mexer, que obrigava à tortura do sono sem deixar dormir os preso dias e dias consecutivos!!! Isso povo de Portugal era Salazar!! Que prendia e torturava jovens estudantes a quem os estudos tinham dado a Luz do conhecimento e a força jovem para denunciar os crimes cometidos silenciosamente. Que criou as polícias que baleavam camponesas grávidas com filhos nos braços como foi o caso de Catarina Eufémia! Matou-a Salazar pela mão de seus esbirros, apenas porque disse que tinha fome e que queria pão para ela e para os filhos.
Mais camponeses a seguiam! Todos porque tinham fome. Todos porque queriam pão!!!
Eu conheci uma alentejana no Algarve que me contava que ela que era criada de servir em casa de ricos proprietários no Alentejo quando era nova, viu muitas vezes os camponeses serem pagos a troco do salário com feijão bichado dos anos anteriores! Isto era Salazar!
Este era a fera fingida que mandava em Portugal.
E porque é que todos se calavam? Por que era aquele medo de falar de política? Se havia medo, lá haviam de saber de quem! Da PIDE dos informadores escondidos por todo o canto, podia ser o barbeiro, podia ser o engraxador, podia ser o amigo. Não sei quem era.
Mas para calar um país durante quarenta e oito anos , para calar o grito de dor quando as pessoas sabiam que sofriam, só um grande monstro histórico, desses que aparecem de vez em quando o poda conseguir! Quando a dor é tão violenta que se não suporta e que se tem vontade de se queixar, o que é humano, e algo obriga a calar, é que esse algo causa tal terror que só pode o perigo que representa ser maior ou parecer maior que o sofrimento.
E que nome dirigia e gerava tudo este estado de coisas?
Respondam dentro de vós, que o sabeis bem!
Mas foi um engano, porque à força de silêncio se deixou a fera crescer medrar e ir devorando o que ao povo e ao País pertencia.
Entre guerra e razões económicas não faltaram motivos aos portugueses para partir, quantas vezes a Salto, com todos os perigos que isso comportava , pagando a passadores e arriscando a vida pelo caminho empurrados a procurar na França que os acolhia sem o mínimo de condições a solução amarga tantos anos, para o desespero em que o regime fascista os havia mergulhado!
Um longo acumular de factos e a sensibilidade que se desenvolveu sempre
É que originam esta emoção que me dá alento, este fraterno sentimento, este respeito infindo pelos Capitães de Abril
Mas mal de nós se eu fosse só a senti-lo.
Somos muitos, somos milhares e milhares e milhares espalhados do Norte a Sul do nosso Portugal
Disso não há nem sombra de dúvida!
O que era importante é que toda a gente se unisse em volta da A25 de Abril! Dos Capitães Eternos! Para trocar ideias por essa Fraternidade que Abril nos trouxe e que o Zeca tão bem soube cantar. Porque somos livres! Como “A Gaivota”.
Tanta gente e por tão forte razão vos recorda com saudade ou sôdade como diz o nosso Companheiro Andrade e Silva
Sabem os pescadores de Faro falavam de vocês com tanta admiração e dos vossos companheiros no Algarve. Foram vocês Homens de Abril que abriram por vossas mãos ao lado dos pescadores da Ilha, as valas para as canalizações para a água! Pois é Capitães vocês também foram isso. Braços a trabalhar pelo conforto essencial pelo bem dentre todos o mais precioso: a água !!! Mas foram mais, foram tanta generosidade ao nosso lado!
Companheiros eu lembro bem, e quem não lembra, o medo o pavor, com que as mães viam crescer os filhos depois de uma certa idade.
É que pairava sobre cada mãe de rapaz a ameaça da aproximação da guerra colonial. Ver adolescer um filho era a incerteza do futuro era uma angústia de cada instante. A guerra é sempre um estado de aflição, para quem a sofre, que apenas se justifica se a defesa do país e de seu povo a isso obrigam. Com a guerra colonial as mães não tinham essa sensação. O solo de Portugal se estava ameaçado era por quem o governava, cortando-o do futuro
Eu tenho a certeza, porque sou mãe, que nenhuma mãe esqueceu esse terror, de adormecer e acordar no mesmo pensamento angustiante que é para qualquer mãe a perda de um filho!
As mães , as vossas mães, mães de soldados, de militares, oficias ou não, as mães são sempre as mães!
que viram partir os filhos, sem saber se voltavam ou não, e quantos não voltaram, e quantos voltaram diferentes de quando partiram?
Ainda um filho mal mexe na escuridão do nosso ventre e nós , cada mãe antecipa mil sonhos. Quando põe o seu menino no Mundo é para o ver seguir caminho para além de sua própria vida. Essa é a lei.! Uma mãe não pode ver partir seu filho. Ou não o pode aceitar sem que dentro dela cada pedaço do seu corpo se esfacele de horror. Um filho para a mãe é sagrado.
As Ménades são raras!
Por isso Capitães também as mães não esqueceram Abril . E pudesse alguém gritar seu nome
E pedir-lhes o testemunho, que a lembrança dessa época sem luz, lhes viria à memória
E este grito que é sempre o meu, este grito por Abril que foi o que eu e familiares e amigos soltámos à passagem da urna de meu pai “ 25 de Abril Sempre” esse grito dizia e tenho voz potente, seria abafado e ficaria honrosamente perdido no altissonante grito de todas as mães de Portugal!
Não nos toquem nos filhos! Que os criámos entre noites perdidas para os ver viver!
De guerra não nos falem a não ser que tenhamos todos, homens, mulheres, filhos, mães ou pais que defender Portugal !
Mas mandarem-nos os filhos para guerras assassinas que nada têm a ver com causas justas e humanas, não! Não contem com o anuir das mães de Portugal! Nossos filhos, nossos jovens, não são carne para canhão!!!
Isso foi dantes e num radioso amanhecer: Aconteceu Abril!
E toda esta gente Capitães sabe no mais profundo do seu ser a bela realidade que vosso nome representa
E todos temos por todos vós a maior deferência e ternura!
Viva o 25 de Abril de 1974
Viva Portugal!
Marília
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O 25 de Abril de 1974 à minha volta. Por Marília Gonçalves*
PORTUGAL: Quando em 1974 o amanhecer de Abril trouxe no âmago a mais bela aurora de todos os tempos o 25 de ABRIL, tinha decorrido um mês repleto de acontecimentos para quem atentamente observasse. Em Março, havia pois pouco mais de um mês, os militares tinham tentado num golpe de estado mudar o país, tentativa frustrada.
Nos dias que seguiram, eu e meu marido tivemos que ir a Lisboa. E fomos encontrar uma cidade inquieta, havia um sussurrar, até às lojas, o que nunca tínhamos presenciado anteriormente. Era um murmúrio de descontentamento geral, numa mercearia perto do Forno do Tijolo em voz baixa mas descontente, mulheres comentavam o aumento do custo de vida e as dificuldades que isso acarretava . Mães preocupadas, que viam levar seus filhos para longe, para a guerra colonial, donde voltavam ou não e quando voltavam, voltavam mudados, doentes ou deficientes.
Mães eternas, que trouxeram filhos nas entranhas olhos fitando o futuro onde o riso dos filhos brilhava juvenil e bom. Que trazer um filho no ventre e pô-lo no mundo é já um grito de confiança na humanidade, nos companheiros de caminho desse menino ainda no presente ao abrigo do seu seio, de seu desvelo e de sua vida. Um Futuro digno para essa vida novinha que crescia em si. O grandioso sonho de qualquer mãe, para seu filho é um Mundo que o mereça.
Mas esse sonho ruia então, para as Mães de Portugal! as mães perdiam seus filhos pela defesa de interesses que nada tinham a ver com os interesses do Povo de Portugal. Perdiam seus filhos, sacrificados tão jovens, meninos quase, para defesa dos interesses duns quantos. Essa certeza do roubo que lhes faziam, era luz definitivamente acesa no coração das Mães! da mãe de cada soldado, de cada oficial.
E com os jovens militares enviados para uma guerra inútil e injusta assassinava-se com eles o futuro de Portugal.
E Portugal nessa década de sessenta, esvaziava-se de suas gentes, aldeias inteiras partiram, os filhos fugindo à guerra, os pais ao infinito cansaço de viver sem esperança, de em troca de trabalho de manhã à noite, verem e viverem em privações e condenados ao silêncio sem sequer o poder dizer.
Nada poderem dizer, nem sobre o sofrimento, nem sobre as suas causas.
O Povo de Portugal condenado, enclausurado dentro de si mesmo, sem poder nunca gritar a sua dor!
Em Março no dia do aniversário de meu marido,juntaram-se em casa amigos que pertenciam como nós ao mesmo grupo da vida Cultural de Faro nessa época.
Nesse dia tinha por conseguinte meu marido recebido um postal de parabéns vindo de meu pai, exilado político em França e que pertencia às forças da Oposição ao regime de Salazar/Caetano, postal em que manifestava seu desejo de que fosse este o último aniversário separados. Estranhei a frase que me soou como um aviso velado. E andou o postal de mão em mão, cada um tentando ler nas poucas palavras e concretização de sua esperança. E acreditámos!
continuou a noite ao som da guitarra que o Zé Maria tocava, enquanto baixinho íamos cantando canções do Zeca!
Assim cada noite ali estávamos os dois meu marido e eu,cabeça quase encostada ao rádio a escutar a BBC, na esperança de que o Presente despertasse em Portugal.
Aguardávamos desde a tentativa de golpe de estado, quer viesse dos militares de novo, ou do povo em geral o sinal de partida para um Portugal novo, onde enfim nos sentíssemos viver.
Esperávamos, como durante cinco décadas esperaram os Resistentes ao fascismo. Muitos caíram pela longa e corajosa estrada da Luta pela Liberdade e pelo direito à dignidade do Povo português, sem chegar a ver o dia por que tanto haviam lutado e sofrido; como tantos outros que escapando embora à morte nas prisões fascistas, soreram às mãos da PIDE, as mais cruéis e elaboradas formas de tortura.
Prender matar e torturar por uma ideia! Fascistas!
Mas quando nessa manhã se levantava o dia 25, o meu marido saiu de casa e dirigiu-se ao seu trabalho.
Cerca de dez minutos depois em casa tocou o telefone. Não tive tempo para me surpreender ao ouvir a voz de meu marido, com a prontidão de tão matinal chamada. Do outro lado a voz dele perguntou-me: - Sabes o que se passa?
[nessa época no seu emprego, tinham havido grandes lutas sindicais [ era um dos mais fortes sindicatos nesses tempos] e em Lisboa tempo antes, tinham mesmo voado máquinas de escrever pelas janelas lançadas por empregados sobre a polícia fascista de então. Como nas reivindicações constava o aumento de salário; perguntei prosaica e simplesmente: foste aumentado? do outro lado meu marido sorriu. Não! a voz soou mais clara, diferente: está a haver um Golpe de Estado!
Hein? o quê?
[tantos anos depois o meu coração só de o relembrar e escrever salta desenfreado]. Tudo o que me passou pelos olhos, os pensamentos que se cruzaram no meu cérebro, são indescritíveis. Tão variados eram! Apenas consegui dizer: vou já para aí!
Vesti meus três filhos e dez minutos depois estávamos na rua.
Olhava a cidade luminosa, como Faro o sabe ser, à minha volta uma manhã de sol, e eu com aquele sol por dentro que me dava asas. Passavam bandos de estudantes, que iam para o liceu, algumas raparigas com as tradicionais batas brancas, iam todos avenida acima a caminho do liceu.
Á Pontinha vinha o Sebastião, colega do mesmo mundo cultural, com uns restos de sono agarrados ainda às pálpebras. Lancei-lhe: Sabes o que se passa? Não, o que é? - Está a haver um Golpe de Estado! - É mesmo?
Confirmei, e vi-o ir na peugada dos alunos, trepando agora a Avenida alegre e bem disposto. Jovem professor, a caminho de um diferente dia de aulas. Completamente diferente!
Quando cheguei ao trabalho de meu marido com as três crianças, todas as empregadas tinham sido dispensadas e voltavam para suas casas. Desciam a escada em tropel com um largo sorriso no rosto.
Ali a única mulher era eu, com três crianças pequenas, uma das quais com um ano.
E foi o dia mais desperto, mais vívido, mais colorido de nossas vidas.
As informações vindas de Lisboa, chegavam das formas mais variadas,
íamos seguindo de longe as grandes passadas da LIBERDADE pelas mãos de jovens oficiais que passaram à Historia com o nome de Capitães de Abril!
Os Homens sem Sono!
Conseguimos, era um bando de gente excitada, captar com um pequeno transístor, mensagens por vezes bastante roufenhas que em Faro ali mesmo ao pé, os militares trocavam entre si. Embora as suas conversas fossem para todos od presentes, impenetráveis, quer porque falassem em código quer porque o transístor não nos deixasse ouvir nitidamente o que diziam, para nós aquelas ordens eram duma clareza infinita. Luminosas palavras, que nos falavam de Liberdade!
Era o momento tão esperado por sucessivas gerações de Lutadores da Resistência em Portugal, e nós ali estávamos, com mais sorte, colhendo enfim esse torvelinho de Luz que tantos resistentes, em tantos anos de persistente combate, tinham merecido ver. Ali estávamos para Honrar suas Gloriosas Memórias! Para nunca os esquecer, reconhecidos!
Depois deixei meus filhos com o pai e fui ver Faro, com olhar novo. Olhar novo e voz solta, fosse qual fosse o preço era preciso pelo menos, falar!
Alguns protestavam, mas poucos, o que mais se via era alegria, e pessoas romperem a barreira do silêncio. O Povo descobria que tinha Voz!
E quando à noite acocorados esperávamos que na TV nos dissessem algo mais, assim ficámos, naquela postura longo tempo e ora nos olhávamos ansiosos por saber mais,ora prendíamos os olhos ao televisor como se um íman ali os retivesse agarrados.
Depois foi o Comunicado do MFA, nome que nos iria acompanhar nos mais veementes e intensos meses de nossas vidas.
E o seu Hino, tempo depois feito canção que andava de boca em boca!
Ali estava o Presente com as portas rasgadas de par em par para o Futuro e como disse esse grande poeta reconhecido internacionalmente como um dos maiores poetas do Mundo, Ary dos Santos: As Portas que Abril Abriu!
Portas por onde passaram a Liberdade e os Direitos do Povo de Portugal, por onde passou o fim da Guerra Colonial e o reconhecimento do Direito de outros Povos a gerir enfim as Terras, os Países que enfim passavam a ser por lei e direito os seus;por elas entrou a Esperança, o fim do medo, o fim da desconfiança colectiva e por elas entrou a Consciência, a nova Consciência de Ser!
Hoje é essa Consciência que deve manter-se inalterável, para sabermos para sempre defender-nos do terror silenciado pela força, que foi a longa noite fascista!
Para que nunca mais ninguém tenha a tentação de nos mergulhar num tempo que saberemos não deixar voltar.
para que nunca mais se cerrem para nós,para nossos filhos e todos os que estimamos, as Portas do Futuro! As Portas que Abril Abriu!
Marília Gonçalves* POETA del MUNDO , Cidadã Portuguesa e UNIVERSALISTA
http://www.poetasdelmundo.com/verInfo_europa.asp?ID=676
ABRIL de 1974
Não vou dizer de Abril o que foi dito
Não vou dizer de Abril o que foi dito
Nem dos cravos direi o que serão
Que foi a Liberdade e é Infinito
E é perfume a pétalas de pão.
Não vou dizer de Abril o que Abril sabe
Nem dos homens de Abril digo quem são:
Uma explosão da luz que o sonho invade
E transforma as ruas em canção.
Não vou dizer de Abril (faltam fonemas)
que Abril teve um só nome: Portugal
dizer que se rasgaram as algemas
é ficar muito aquém de quantas penas
findaram num país de sangue e sal.
Não vou dizer de Abril quanta tortura
O povo viu ceder nesse arraial
Quando se ouviu cantar quem mais ordena
São os filhos do povo em Portugal!
Não vou dizer de Abril de ideia aberta
Que esse céu mais azul, Abril o fez
Que cada encontro era uma descoberta
E renascia o povo português.
Não vou dizer de Abril cada fronteira
Esboroada no longe, na distância
nem que ali começava a terra inteira
e que o Mundo estava na Infância.
Abril começava o novo verbo
Articular de mãos gesto fraterno
Como voz infantil que num caderno
Escreve a frase final: Fim do Inverno!
Marília Gonçalves
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