Decorreu hoje o 56º aniversário do bárbaro assassinato de Catarina Eufémia. Trabalhadora rural de Baleizão (Baixo Alentejo), participou activamente nas lutas por melhores jornas, contra o desemprego, pela paz e pela liberdade. Organizou as mulheres da sua terra, de forma que elas foram, a partir daí, quem mais activou essas lutas, suplantando os próprios homens. No dia 19 de Maio de 1954, à frente dum grupo de mulheres que exigiam trabalho, enfrentando um pelotão da G.N.R. comandado pelo famigerado tenente Carrajola, Catarina Eufémia, com um filho ao colo e outro no ventre, gritou: «Nós só queremos pão, trabalho e paz!». O tenente Carrajola disparou então a sua pistola-metralhadora e, com vários tiros, assassinou a jovem Catarina, que logo ali caiu, esvaída em sangue. Catarina Eufémia ficou como símbolo da mulher trabalhadora na luta contra o fascismo a troco da sua própria vida. Vários poetas cantaram a heroína nos seus versos. Podemos citar os poemas de Papiniano Carlos, José Prudêncio, Ary dos Santos, o cantor José Afonso, Carlos Domingos e muitos, muitos outros. CATARINA Com três balas ceifaram o teu grito. Com três balas roubaram o teu pão. Com três balas lavraram o teu chão que se enquistou em espasmos de granito. Com três balas ficou o teu nome escrito no coração da terra – coração que rebentou em fúrias de vulcão, memória aberta sobre o infinito. Brotam canções da terra ensanguentada. Catarina é bandeira, raiva hasteada desta revolta vinda à superfície. E os lobos tremem mal ecoam passos, mal sopram vozes, mal se agitam braços ou o vento se levanta na planície. Carlos Domingos
1° de Maio Dia do Trabalhador,
1°de Maio de tanto trabalho negado
1° de Maio de sangue e de suor
pelo pão sempre contado
1° de Maio de Alentejos de searas
Marinhas Grandes de batalhas contra os Párias
desse Maio que vai de Norte a Sul
nesse negrume que cobre o céu azul
1° de Maio de ceifeiras, pescadores
dos operários de cansaço e dissabores
1° de Maio Para o povo português
que se desperta vai ser Maio todo o mês
1° de Maio quando a mesa do ricaço
ostenta o luxo que é fruto do teu cansaço
1° de Maio que renasce cada ano
entre promessas e mentiras e engano
1° de Maio é tempo de despertar
o pão que é teu e que falta amadurar
1° de Maio de colheitas por fazer
do teu suor que não pára de correr
outros festejam entre risos, rendas vinho
faltas herdadas desde há muito em teu caminho
hoje é o dia de te ergueres contra a desgraça
que é bem maior do que o medo e a ameaça
Hoje é o Maio de sangue de Catarina
de ondas de sal que inundaram a campina
e desse mar de labutas luto e dores
triste quinhão da vida dos pescadores
Hoje é o Maio dos artistas operários
que erguem o mundo contra ventos que contrários
levam as casas e lhes deixam por abrigo
casas ao vento onde o mês é inimigo
de longos dias a contar o mês sem fim
enquanto ricos vivem sempre no festim!
Pois se hoje é Maio vamos todos despertar
todos nós temos o direito de sonhar
porque o trabalho foi regado com suor
todos fraternos renegamos o agressor!
Marília Gonçalves
À memória de CATARINA
Meu trigal rosácea amena
Na planura sem confim
Alastra a tarde serena
No geométrico jardim.
Horizonte a germinar
Em agudizar da cor
Árvore erecta a evocar
Alucinação de amor.
Porém no teu solo alonga
Abjecta negação
Rubro sangue de paloma
Que apenas pedia o pão.
Ignóbil pra sempre quem
Ultraja afinal o nome
Que lhe deu no berço a mãe
Só porque alguém tinha fome.
CANTAR ALENTEJANO
Vicente Campinas*
Chamava-se Catarina
O Alentejo a viu nascer
Serranas viram-na em vida
Baleizão a viu morrer
Ceifeiras na manhã fria
Flores na campa lhe vão pôr
Ficou vermelha a campina
Do sangue que então brotou
Acalma o furor campina
Que o teu pranto não findou
Quem viu morrer Catarina
Não perdoa a quem matou
Aquela pomba tão branca
Todos a querem p’ra si
Ó Alentejo queimado
Ninguém se lembra de ti
Aquela andorinha negra
Bate as asas p’ra voar
Ó Alentejo esquecido
Inda um dia hás-de cantar
* Este poema foi musicado por José Afonso, no álbum «Cantigas de Maio», editado no Natal de 1971
RETRATO DE CATARINA EUFÉMIA
Da medonha saudade da medusa
que medeia entre nós e o passado
dessa palavra polvo da recusa
de um povo desgraçado.
Da palavra saudade a mais bonita
a mais prenha de pranto a mais novelo
da língua portuguesa fiz a fita encarnada
que ponho no cabelo.
Trança de trigo roxo
Catarina morrendo alpendurada
do alto de uma foice.
Soror Saudade Viva assassinada
pelas balas do sol
na culatra da noite.
Meu amor. Minha espiga. Meu herói
Meu homem. Meu rapaz. Minha mulher
de corpo inteiro como ninguém foi
de pedra e alma como ninguém quer.
(José Carlos Ary dos Santos)
Oh Baleizão, Baleizão
oh terra de Catarina
onde viveu e morreu por uma bala assassina
por uma bala assassina
no sitio do coração
Oh Terra de Catarina
Oh Baleizão, Baleizão
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