Estória verdadeira
O SAUVAGE (o selvagem?)
2-: Marilia Gonçalves
O SAUVAGE (o selvagem?)
Nós em Portugal? hoje, com os animais?
não sei! mas sei que há cerca de trinta anos,
tivemos na família um cão pastor alemão,
veio para nossa casa tinha um mês.
Adoptou-me e habitou-se a seguir-me por onde fosse.
O cão cresceu com meus filhos.tive quatro.
E o cão guardava-os até na praia onde
ia tomar banho com eles fazendo
círculos a nadar, sem nunca os deixar sozinhos!
sem os perder de vista por um segundo!
Num fim de dia, estava eu já preparada para o jantar,
com uma saia, comprida, meio cigana.
De repente na Ria Formosa em Faro, na ilha,
uma criança sobre um colchão de praia estava a ser
levada na força da vazante.
Eu vestida nada podia fazer que fosse
suficientemente rápido, nisto vi a mancha negra
de meu cão ao pé de mim, e gritei:
vai buscar o menino! o cão em voo
lançou-se à água, talvez que o menino para
ele fosse um dos meus filhos. O certo é que
vigorosamente nadou ao largo, onde o miúdo aflito,
mais aflito parecia com a aproximação
de tal monstro!? eu de terra gritei: agarra-te ao cão!!
o garoto abraçou-se ao cão e o Sauvage,
era assim o nome desse animal generoso,
trouxe o garoto para terra.
Quando chegou, na areia as mulheres que assistiram
à cena choravam todas! o cão não se aguentava nas patas
que se dobravam debaixo dele. o garoto? esse foi-se,
sem uma olhar ao cão, talvez ainda demasiado
assustado com o que tinha vivido.
Durante o verão na ilha nunca o Sauvage esteve tão gordo
, pois onde quer que passasse, todos lhe queriam dar de comer.
O tempo foi decorrendo, os anos seguiram
e o cão foi envelhecendo...
pois sabem com acabou esse animal?
envenenado!!! na casa de campo onde estava,
(eu tinha vindo a França ser operada )
ele, a cadela da casa, que estava
com ele e uma bezerra. Os três vítimas
do mesmo veneno.
Desconheço por ser em casa de amigos,
qual era a história da cadela que morreu!
Mas temos que reconhecer que para
um cão quase humano, que foi a nado
salvar uma criança, merecia morte mais digna
e com menos sofrimento que aquela
que causa o veneno! nada mais!
que cada um pense o que há a fazer
no nosso país para que os animais tenham
o lugar que merecem! Não será que tudo
isso tem a ver com certas carências da população?
não será que com mais escolaridade,
com menos raivas provocadas pelas faltas,
tudo isso seria atenuado? deixo a pergunta
a quem tiver sabedoria para responder
eu limito-me a narrar um facto.
Era o meu cão! Hoje há cerca de vinte anos anos
que morreu e em casa ainda ninguém o esqueceu
Viva Portugal! sem ironia!
é o que penso! pois no dia em que tivermos
governantes que nos governem o país
e em que o povo não sofra mais, isto tudo
estará solucionado, não de repente, mas a caminho disso!
O sofrimento torna o homem mau
e insensível ao que tem ao pé
sem sentimento o coração em pedra
transforma em gelo o que fogo é!
Marília Gonçalves
SonSonho do cão cativo
Que sonha o cão na manhã de maio
que sonha triste de alegre viver
que sonha o cão quando a companhia
da voz amiga já não torna ser.
Que sonha o cão quando atrás de grades
contempla o céu ainda tão azul
que sonha o cão se desenha os ares
a ave loira dos campos do sul
Que sonha o cão quando a água clara
sabe à prisão que não deixa mais
que sonha o cão se a manhã aclara
ou quando à noite se acende o trovão
Que sonha o cão quando ouve inda festas
na melodia do sonhar perdido
que sonha o cão se pelas florestas
vagueia o lobo livre perseguido
que sonha o cão quando a mão que afaga
o larga vil, num pobre caminho
que sonha o cão a correr a estrada
cheirando o ar do velho carinho
Que sonha o cão quando as aves cantam
a solidão do jardim florido
que sonha o cão se os olhos se espantam
a relembrar o tempo perdido
Que sonha o cão quando a voz que soa
traz à lembrança o seu velho afago
ah como a vida era meiga e boa
quando brincava nas margens dum lago
Que sonha o cão quando o mar exalta
as mil viagens que não mais fará
que sonha o cão quando o medo assalta
pela família que não mais verá
Que sonha o cão quando a hora chega
de repetir o sabor do pão
que sonha ao cão que desassossega
o seu olhar ao ver uma mão
Que sonha o cão quando tristemente
os dias caem sobre sua voz
olhando o longe onde antigamente
era cachorro chamando por nós
Que sonha o cão quando só pressente
a solidão para além do dia
que sonha o cão, com o dono ausente
aquele dono por quem morreria!
Marília Gonçalves

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