Gesto azul
Acordar sentada na madrugada,
ver o dia subir devagarinho
por entre o silêncio das árvores
Recordar sonhos e pesadelos
de uma noite inglória e longa
onde as horas pareciam parar
e as sombram se adensaram
como se adensam na escuridão
das memórias teimosas e frias.
São exactamente dez horas
diz o relógio e o miar do gato,
agora resta-me esperar, esperar,
um laivo de um sorriso, um olhar,
um transeunte que me diga bom dia,
um cigarro que não deveria fumar,
um trago de café que me agite,
eventualmente um passeio
junto ao mar que fica tão longe
mas que sinto quase tocar-me.
Sentar-se e saber que se está só,
tão só como o vazio de um sábado,
caminhar nas arestas da dor,
na maré baixa escrever poemas
quando o que se inala é odor a maresia,
as palavras segredos de búzios
na profundeza de oceanos intangíveis
outroras rios de águas redondas sem fim.
Encontrar uma pequena flor no abismo,
pintá-la numa tela nua, imaculada,
olhá-la com o afago de um gesto azul,
segurar a beleza fugidia num traço
de insanidade ou de lucidez imatura.
Teresa Veludo
De um dos meus livros


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