Á Nádia, minha filha que aborrece críticos de poesia
Tratados de poesia
Que ensinais a harmonia
E a toada do verso
Que tudo sabeis da rima
Das medidas das cesuras
Das rimas pobres
Das duras
Das baladas dos tercetos
Das odes e dos sonetos
Sem esquecer a terza rima
Nem tudo quanto se empina
Nesses velhos alfarrábios
Que são em saber a mina
Que traduz todos os sábios.
Tratados de poesia
Que tudo sabeis do verso
Voltas e fim e começo
E citais alexandrinos
E sáficos e tripartidos
heróicos versos gemidos
e todo o verso composto
tudo tão a vosso gosto
nos vossos velhos livreiros
com vago perfume a mofo
de que andais decerto cheios.
Mas da essência do verso
Que seja livre ou possesso
Seja branco ou tripartido
Do verso, que sabeis vós
Que sabeis da funda voz
Que faz um verso parido?
Que sabeis dessa alvorada
Que levanta estremunhada
Da alcova moribunda
A escorrer lágrima e sóis
A gargalhar rouxinóis
Para cair gemebunda?
Que sabeis desse licor
Feito de ódio e amor
De desespero e d’esperança
Que sabeis desse cantor
Que ora parece um senhor
Só porque é uma criança.
Que sabeis dessas mãos d’água
Que vertem versos e mágoa
Sempre nesse despudor
Que o verso na alma grava
A fome a sangue e a lava
Como se fizesse amor.
Furai os olhos à treva
Uma vez pra que se escreva
Do verso o essencial
Sedes feridas e ternura
Fontes musas ou loucura
Mas tudo em voz natural.
Dizei alto firmemente
Que verso é o grito urgente
A gargalhada de dor
Que traz na alma a semente
Dum outro verso maior.
Dizei, se pode ser dito
Qual a dimensão do grito
Feito de seiva e luar
Dizei do verso, repito
Que ele espelha o infinito
Que é pura voz a cantar.
Marilia Gonçalves
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