
Nas ditaduras puras e duras há um ditador que submete todos e os colectivos que o apoiam a uma ideia, um verbo e um pensamento únicos que são o seu. Noutras ditaduras, aparentemente menos soezes, o ditador é substituído por colectivos ditatoriais que prosseguem os mesmos objectivos.
Nestes colectivos escolhe-se quem o personifica, e este símbolo da identidade do grupo aceita o pepel de mero representante, ou papagaio daquele, e ponto, ou, de entre ele nasce um ditador que instrumentaliza o colectivo.
Existem ambas as modalidades, e seria fastidioso e inútil separá-las, têm o mesmo DNA: o fanatismo, a intolerância e muitas vezes a imbecilidade idiota, que ou se vai impondo entre gente relativamente idiota, isto é, com um padrão de inteligência deficitário, ou entre gente a viver uma situação de necessidade que toma a nuvem por Juno, como um Deus da salvação. Um mero disparate.
Deste mal em Portugal, por uma diminuição intelectual e défice moral endémicos, quase todos os que, por processos, mais ou menos democráticos (e digo mais ou menos democráticos, por muito pouco participados e, por vezes, baseados em listas únicas, que não resultam de consenso nenhum , mas de complôs) tomam ou assaltam o poder, em qualquer micro organismo, tendem a agir, segundo o que mais apreenderam no espaço público e privado em Portugal: o autoritarismo, o narcisismo e o servir-se de tudo, sobretudo de eunucos para efectivarem uma estratégia de poder pessoal a que, por vezes, associam alguns interesses de grupo.
Sendo este factor uma doença endémica e uma epidemia social em Portugal, exigiria a todos os membros, pessoas de bem, das mais variadas organizações uma verdadeira observação e análise dos associados às práticas dos dirigentes, o que, perante o quadro acima descrito é quase uma impossibilidade, pela circunstância destes nichos de poder autocrático só se formarem pela muito baixa participação dos cidadãos na vida das organizações politicas e profissionais.
Todavia, sendo assim, caberia aos colectivos democráticos, ou a alguém que lá esteja e seja uma pessoa intrinsecamente de bem, lutarem contra este comportamento endémico, patológico e letal, circunstância que, na maior parte dos casos, exigiria uma grande capacidade de auto analise critica, de assumir graves riscos e perigos, na exacta proporção , em que estes comportamentos internalizaram-se nos ditos dirigentes, e em cada um de nós, através de um processo inconsciente e subtil de modelagem e aprendizagem em casa, com pais autoritários, ou ausentes; na escola; no partido ou no quartel.
De todo este quadro resultam, em Portugal, os comportamentos social e profissionalmente anómicos das organizações, desde as governamentais até às de solidariedade, recreativas e profissionais.
Entre nós, a miséria cultural e moral, foram e são um terreno propício para que as inquisições, o autoritarismo, a confusão alienante singrem, e alimentem processos pessoais do exercício dos poderes, para qualquer coisa mais do foro íntimo do que dos representados, realidade que sendo um verdadeira cadeia de cavalos de troia exige um esforço de exposição na denúncia deste estado de coisas, aos muito poucos que têm autoconsciência da verdadeira situação calamitosa que se vive entre nós, portugueses, quanto à moralidade e à independência de critério nas organizações cientificas, profissionais e outras, face a partidos ou outros sistemas de pressão etc. Mas valerá a pena este arriscado esforço?
De um ponto de vista quantitativo não, muito claramente. Numa sociedade predominantemente de eunucos e de concidadãos sempre à espera de um D. Sebastião de modo nenhum, é, até um acto quase tresloucado, e, sobretudo, muito incómodo para quem o fizer.
Todavia e, embora, o dever ético a todos obrigue, poucos farão o que devem, e não o farão: muitos por desconhecimento, outros por desistência e a parte restante, porque vivem deste e para este sistema podre. Mas, se é assim, porque falar destas anomias?
Em primeiro lugar pelo imperativo ético fundamental, se detectei, ou julgo que detectei este tumor cancerígeno, logo dele devo falar, mas também para ajudar a outro tipo de análise e autoanalise a quem sendo inteligente, ( a inteligência cognitiva é sempre muito importante) tendo espirito critico e um elevado estado de desenvolvimento moral, e estando dentro desses colectivos/directórios possa, como deve, pugnar pela abertura conceptual, a discussão democrática, a valorização dos contributos pessoais, a recolha de informação no sentido ascendente, porque no descendente na modalidade de mentalismo e propaganda qualquer ditador iluminado o fará.
Concluindo, na minha perspectiva, os colectivos/directórios num sociedade do século XXI não deviam ter um perfil autista, restritivo de cariz totalitário, mas deveriam ser abertos aos contributos divergentes, e não os recusar só porque o colectivo/directório tem outra visão das coisas, ou até porque muitos o recusam.
Sobretudo compete aos lideres ver se nas ideias divergentes não há átomos de mudança que nas convergentes podem não existir. Mais frequentemente a convergência assenta na rotina burocrática e no passado, enquanto, a divergência tem mais por base a ruptura necessária.
Ora se olharmos para os últimos vinte anos de vida do País e da Instituição Militar convergimos e muito bem, maravilhosamente, para a tragédia que é o ponto, onde, estamos, e sem ruptura epistemológica, metodológica, moral e ética nos procedimentos, e de completa independência face a interesses pessoais ou político-partidários na definição de objetivos e análise da realidade, soçobraremos de um modo estrondoso e inglório.
Fica aqui esta reflexão critica que a aproveite, se possível, algum espirito livre, atento, de elevada moralidade, sábio e com a vivência democrática tão internalizada em si, como o seu sangue.
Andrade da Silva
Publicado na página do Facebook da Associação de Oficiais das Forças Armadas ( AOFA)
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