Meu irmão tinha vindo de Portugal e viera visitar-nos.
Bons momentos calorosos e animados, tanto mais que minha mãe, estava encantada de estar ao pé do filho.
Franca alegria e boa disposição!
A Minha filha mais velha, mostrou vontade de levar o tio a ver a sua casa nova, com a mudança ainda não muito acabada.
Fomos, como não cabíamos todos no carro, a minha filha, o tio e a Katia foram a pé,no carro além do meu marido que conduzia, ia minha mãe, que se move com dificuldade e com a ajuda de duas canadianas, e eu.
Depressa chegámos, que o trajecto era curto.
No passeio, esperavam os que tinham vindo a pé. A minha mãe, como a visita a casa era breve, ficou no carro.
Atravessámos na passadeira de piões, mesmo em frente da casa.
quase a travessia feita, em plena passagem, um carro acelera. eu ainda estava na rua, embora o passeio estivesse já a dois passos. Ao ouvir o barulho do carro a acelerar, meu irmão e minha filha, gritaram por mim. Não posso explicar o ocorrido, é possível que me tenha assustado, perdi o equilíbrio e estatelei-me no chão, embora enquanto caia, tenha tentado recuperar o equilíbrio, por mais de uma vez.
A Minha filha, lembro-me de a ouvir a gritar e barafustar com o condutor, que tinha parado; e que lhe respondeu que tinha acelerado, para me avisar. Estranho aviso, mais um pouco atropelava-me para que ficasse bem ciente da sua presença.
Mas ao cair dei uma topada com um pé no passeio; e o dedo grande do pé, ameaça seriamente a queda da unha. Fiquei chocada um tempo. Podia ter caído para debaixo do carro. Caí em frente. Isso salvou-me.
Mas hoje era para ir declamar a Paris, na apresentação, do livro do Poeta e Cineasta Manuel Madeira.
Fosse em estação quente, ia à mesma; mas como não consigo pôr sapato no pé, neste momento em que as temperaturas estão baixas, vejo-me mal ir declamar descalça ou em sandálias abertas, a contrastar com a roupa quente.
Lamento muito, tenho mesmo muita pena, que o Manuel Madeira é amigo por quem tenho grande carinho.
Acidente absurdo! e Como em geral todo o acidente totalmente inesperado.
Uma coisa mesmo parva, vinda de um condutor de certa idade, que devia ter um pedacinho mais de caco.
As minhas mais sinceras desculpas ao Poeta. Os seus Belos Poemas serão defendidos na voz da Cristina Semblano, excelente declamadora. Mas fico com muita pena de não estar presente e de não poder participar.
O meu grande abraço Manuel e embora de longe, estarei a vosso lado!
Felicidades para o teu Livro, "Já cá não está quem falou" visto que escolheste que o título do teu Livro de Poemas fosse escrito com letra minúscula, para um Livro que em nada o é.
Beijo, a ti e à tua Mulher.
Marília Gonçalves
o que ia ser a minha participação, na noite de Apresentação do Livro
Do Livro Já cá não está quem falou
Vou dizer-lhes 3 poemas e tentarei, dentro do possível, interpretar a voz interior do Poeta Manuel Madeira, que todos os amigos aqui presentes conhecem e que nos merece maior carinho
Poemas a serem ditos
Em seu tempo chega a hora
agora é a hora que chega fora de tempo
como um derradeiro e inútil aviso
a tarde desvanece-se subitamente
como um crepúsculo sem espasmo
hora sinistra de ausente silêncio
que amedronta a calma das florestas
no momento em que se acomodam
as aves adormecem os ralos
naquele socalco de pequeno cabeço
pois se o tempo não tem fim nem sentido
porque choro eu os dias com azedumes
nas glândulas e ladainhas com raivas
e queixumes de vivente eterno descontente
mergulhado na aridez morna e aborrecida
possuindo mãos afeitas ao amor ?
porque não aspirar à desordem do mundo?
e só obedecer à paixão das pulsões imediatas
que exortam o corpo a imaginação
segregam a vertigem da satisfação súbita
dos desejos fulgurantes e viver com
um sentimento apavorado de compaixão
sob a intolerável tortura das boas intenções
duma antiga civilização dominadora
que chora sob si mesmo anunciando
catástrofes e cataclismos universais ?
Manuel Madeira
O que me falta ?
Nasci com falta de coisas que esqueci
no leito agradável que antes me acolhia
por isso cheguei tão nu por fora como por dentro
cresci com o sentimento arreigado da ausência
quando me sinto apanhado pelo exterior
receio não poder mais regressar a casa
quando estou dentro de mim receio
que haja em mim alguém habitando
os sonhos que não sonho
antes estes se confundem com a realidade
do banal dia a dia da existência de qualquer
outro ser estranho que também
pode ser eu quando não estou em mim
se isso é possível haver um duplo que eu próprio
desconheço e ele mesmo não saiba
da minha existência
Manuel Madeira
Mesmo quando estou cá, estou lá
Nasci em Estremoz
— alva cidade do Alto Alentejo —
a cinco de Agosto de 1936.
Nove anos antes de cair
sob Hiroshima
uma bomba atómica.
A minha infância evoca-me
um dia de ceifa e de vento Suão.
Seco e sem pão.
entretanto :
nas oliveiras
amadureciam azeitonas
e no forno cozia o pão.
Graças às rijas promessas paternas
perdi gosto à vida e à Pátria
- tão habituada a enjeitar os seus filhos -
desprezei o passado glorioso
( feito de crimes e de miséria )
e fugi lá p’ra fora ganindo
como cão mal tratado
à procura de abrigo.
Manuel Madeira
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