Fado de sonho em Paris garante "prémio" da UNESCO
O concerto "Fados", ontem, no Théatre de la Ville, foi de tal forma excepcional que a assistência, em delírio, ficou desapontada por não ter havido encores. Paris homenageou Amália e o fado e deverá fazer o mesmo com Zeca Afonso.
Cartaz do concerto "Fados"
Um
concerto raro, de sonho, uma viagem diversificada e inesquecível pelo
fado. O espectáculo de ontem à noite no prestigiado Théatre de la Ville,
em Paris, foi tal forma excelente, que, no final, a assistência, em
delírio, ficou desapontada. Sem ninguém perceber a razão e apesar da
sala (mil pessoas, 2/3 francesas) aplaudir longamente de pé, reclamando
pelo menos um "brinde", nenhum dos cinco fadistas aceitou interpretar
qualquer "encore".
Ficou, então, tudo
com a sensação de fome de beleza e de, pelo menos, mais um pouco de
feitiço deste canto único no mundo que, certamente, vai ser declarado,
em Novembro, pela UNESCO, património imaterial da humanidade.
Apesar
do deslumbramento com as notáveis interpretações de Ricardo Ribeiro,
Carminho, Camané, Cristina Branco e Carlos do Carmo, acompanhados por
músicos de nível superior - José Manuel Neto (guitarra portuguesa),
Carlos Manuel Proença (viola acústica), Marino de Freitas (viola baixo) e
Paulo Paz (contrabaixo) - muitas pessoas acharam que foi deselegante a
falta de um tradicional "encore". Alguns diziam que, se calhar, os
cinco fadistas não se entenderam sobre a forma como agradecer ao público
que, desde os primeiros minutos, aderira de forma espontânea à
maravilha, com surpreendente emoção, através da voz poderosa, de
barítono, do jovem Ricardo Ribeiro, que teve a honra - e a dificuldade -
de o abrir.
Cada um cantou "apenas" quatro fados
Cada
um dos fadistas cantou "apenas" quatro temas, proporcionando uma
prodigiosa navegação no imaginário e no tempo, através de estilos e
timbres de voz bem distintos de cantores de três gerações. Uma francesa,
a meu lado, perguntou, no fim, a este repórter: "que beleza de
espectáculo, porque não cantaram pelo menos mais uma?". Eu perguntava-me
o mesmo...
De qualquer modo foi um
sucesso grandioso e, na assistência, onde se encontravam responsáveis da
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, não
ficaram dúvidas: o fado merece a nomeação que pretende e o musicólogo
Rui Vieira Nery, o autarca lisboeta António Costa ou Carlos do Carmo,
que batalham por isso há muito tempo, também disseram ao Expresso que só
um improvável tsunami pode impedir a sua ascensão a património
imaterial da humanidade.
Homenagear Zeca Afonso
O
concerto terminou com a assistência a acompanhar, em coro, Carlos do
Carmo na interpretação de "Lisboa menina e moça". No fim, Emmanuel
Demarcy-Mota - filho da actriz Teresa Mota e do dramaturgo francês,
Richard Demarcy - encenador e director do conhecido teatro da praça do
Chatelet, bem como Hermano Sanches Ruivo, conselheiro do presidente da
Câmara de Paris, Bertrand Delanoë, estavam satisfeitíssimos. Os dois
franco-portugueses tinham razões para isso: Paris continua aberto a
Portugal e ao fado, talvez como nenhuma outra cidade além de Lisboa.
Ainda há pouco tempo, Misia enchera a sala do teatro "Bouffes du Nord"
durante seis dias consecutivos e Katia Guerreiro está já anunciada para
dentro de alguns meses no Olympia...
Demarcy-Mota
estava de tal forma impressionado com o êxito do espectáculo da noite
do dia 10 de Junho que, como é habitual nele, já fervilhava com novas
ideias. "Se calhar vamos fazer uma coisa idêntica brevemente à volta do
Zeca Afonso, com o José Mário Branco, claro, e com os mais novos",
confidenciou ao Expresso.
É uma boa
ideia, sem dúvida: quando cantou em grandes palcos de Paris, o autor de
"Grândola vila morena" fê-lo sempre com sala cheia no teatro que
Emmanuel agora dirige. Também Amália Rodrigues cantou no mesmo palco,
além de outros da capital francesa, como no do Olympia. O fabuloso
concerto de ontem foi igualmente uma sentida homenagem à rainha do fado e
a Paris, que sempre a acarinhou de forma extraordinária - aliàs no
palco e no hall, Amália foi muito lembrada. À entrada do teatro estava
patente uma exposição com um título que dizia tudo: "Amália em Paris".
(enviado por amigo)
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