Mário Soares foi o vencedor das eleições. A astúcia e a imaginação do
velho estadista permitiram que Fernando Nobre, metáfora de uma
humanidade sem ressentimento, lhe servisse às maravilhas para ajustar
contas. É a maior jogada política dos últimos tempos. Um pouco
maquiavélica. Mas nasce da radical satisfação que Mário Soares tem de
si mesmo, e de não gostar de levar desaforo para casa. Removeu Alegre
para os fojos e fez com que Cavaco deixasse de ser tema sem se
transformar em problema. O algarvio regressa a Belém empurrado pelos
acasos da fortuna, pelos equívocos da época, pelo cansaço generalizado
dos portugueses e pelos desentendimentos das esquerdas (tomando esta
definição com todas as precauções recomendáveis). Vai, também, um
pouco sacudido pelo que do seu carácter foi revelado. Cavaco não
possui o estofo de um Presidente, nem um estilo que o dissimulasse.
Foi o pior primeiro-ministro e o mais inepto Chefe do Estado da
democracia. Baço, desajeitado, inculto sem cura, preconceituoso,
assaltado por pequenas vinganças e latentes ódios, ele é o
representante típico de um Portugal rançoso, supersticioso e
ignorante, que tarda em deixar a indolência preguiçosa. Nada fez para
ser o que tem sido. Já o escrevi, e repito: foi um incidente à espera
de acontecer. Na galeria de presidentes com que, até agora, fomos
presenteados, apenas encontro um seu equivalente: Américo Tomás. E,
como este, perigoso. Pode praticar malfeitorias? Não duvido. Sobre ser
portador daqueles adornos é uma criatura desprovida de convicções, de
ideologia, de grandeza e de compaixão. Recupero o lamento de
Herculano: "Isto dá vontade de morrer!"
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