Anda-me o vento nos beirais
É noite, avança a madrugada
E eu choro de saudade de meus pais
Da minha breve infância magoada.
Adeja a neve, sem Augusto Gil
A pesar ainda na lembrança
Dessa voz insurrecta e infantil
a declamar num grito pela criança.
Pudera adivinhar... mas antes não...
Foi mais feliz a inocência
Que esse clamor do coração
Abrangia toda a minha essência.
O sofrimento seria o quinhão
Que acolheria minha candura
Espelhando pra sempre em minha mão
Uma indelével fome de ternura.
Marília Gonçalves
Poeta que nome dar-te
Poeta que nome dar-te
Que melhor diga quem és
Nome de voo, de vaga
Nome de tantas marés
De tantos aluviões
De tanto riso perdido
Catadupa d’emoções
Sempre em combate renhido
Poeta, de tanta queda
De tanta ressurreição
Que escreves em linha recta
A tua contradição
Poeta de sempre sonhos
De mundos por levantar
De dois abismos risonhos
Desaguando em teu olhar
Poeta de tanta estrela
ou de noites de luar
Quando a palavra, aguarela
Te leva de mar em mar
Poeta que nome análogo
Posso chamar-te completo
Se conheces o diálogo
Que há na fundura do verbo
Se te vejo esbracejar
Contra o fantasma da forma
Conservando no olhar
O desrespeito da norma
Queria fazer-te justiça
Dar-te uma palavra exacta
Pra definir a preguiça
Na aridez que te mata
Dizer que tens da cigarra
O incessante labor
De transformar em guitarra
Cada pérola de suor
Por isso não sei que nome
Te dê maior que poeta
A ti que escreves amor
Na sua forma completa
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