A pátria é nos lugares onde a alma está acorrentada.
Voltaire
MONSARAZ
No pó estão impressos os passos
dos velhos guerreiros cansados.
Ninguém os vê, mas sabe-se
que dormem atrás das muralhas.
São de vidro os olhos fundos
das velhas sentadas
com os dedos retorcidos em riste
--velhos fusos fiando a lã dos séculos.
Ninguém viu a face austera
do Grande Senhor,
mas ele está presente
com um azourrague de medo
atrás de cada oliveira.
Tudo está conforme - o pelourinho, a missa
na Igreja Matriz, o fantasma
de Nun'Álvares rindo na cal do muro
e o açoite no servo
que faltou ao tributo.
E quando o Sol se esconde
lá longe, onde ninguém sabe,
as velhas diluem-se no escuro
e os olhos das corujas
tomam conta da noite.
O vento circula repetindo-se
entre o Castelo e o sino
em rodopios de bronze.
Soam badaladas de fome
à medida que os braços caem.
Um a um, os homens sacodem
a teia de aranha
e partem, de manhã,
rolando como pedras pela encosta
em busca duma esperança.
Monsaraz resiste, imperturbável,
no alto do silêncio
e os homens, que regressam assustados,
entram furtivos e descalços
para não acordar o tempo.
Carlos Domingos
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