Dai aos poetas a fala
De forte resolução
Não tem razão quem se cala
Ao ver o mundo que exala
Em falta de opinião.
Morre à sede uma criança
Entre milhares que se vão
Poetas gritai a esperança
Fazei dos versos canção.
A justiça é uma balança
Que não nos pesa a razão.
Outra além morre de fome!
E nos deixamos morrer?
Poetas gritai seu nome
Que nenhuma força dome
A razão que tem que ser!
Poetas erguei a voz
Morre o mundo em todos nós.
Marilia Gonçalves
2.
*************************************************************************************
***************************************************************************************
“O meu Ideal”
Música!
Música bela,
arte Sem igual
estarás tu, meu ideal,
ao meu alcance,
ao alcance…
dum ente mesquinho
como eu?
Tu, que és a esperança
do pobrezinho,
o bálsamo sagrado
dos que sofrem,
dos que a felicidade
desconhecem
o ungüento suave,
não me dirás
onde existes,
em que lume azulado
tu crepitas,
em que coração desventurado
tu palpitas?...
Onde te encontras?
É nas moitas tristes,
espalhadas pelos montes,
e banhadas pelas águas frias
das fontes,
que te achas?
ou, no botão de rosa
a desabrochar,
na dália formosa
a desfolhar?
Tu, que beijas a fronte
do pobre órfão,
que carícias não conhece,
que afogos desconhece,
como a esperança duma benção;
tu, arte incomparável,
que enxugas os olhos
à viúva triste,
que, inconsolável,
chora a morte do marido,
que já não exsite...;
tu, dos desventurados
a esperança,
a aurora a raiar
aos olhos do náufrago desgraçado,
que, ao sôpro do vento forte,
vagueia sem norte,
ao sabor das águas;
onde, onde existes?
Tu, que foste para mim,
para o meu coração,
de abròlhos plantado,
como o sol,
que em rúbido arrebol,
se ergue por detrás das serras,
a raiar
por sôbre as terras...,
ou como a lua num cemitério,
por entre os ciprestes, a espreitar,
e em plaguas enluaradas,
a beijar
as tumbas frias, abandonadas;
onde te encontras?
Não me dirás
a mim, que to recebi,
e no meu coração,
tão pequeno, tão desventurado,
te acolhi,
com aquela ternura
com que a mãi,
cheia de desventura,
beija o filho amado,
com aquela alegria,
com que o prêso inocente,
em fria masmorra atirado,
saúda
o primeiro raio de sol,
que, pela fresta esguia,
Ihe vem beijar...
os pés algemados!;
não me dirás
onde te encontras?
Em que botão a estiolar,
em que lírio a desabrochar
te acharei, bela arte
por mim almejada?
Que palácio encantado,
que paraíso d’ilusão
te serve de morada?
Eu, que me tenho arrastado
da mais alta serra
ao vale mais fundo,
por arrozais louros
e montes rochosos,
por palmares verdejantes
e areais calcinantes,
por prados em flôr,
por trilhos dolorosos...
com palácio algum encantado
topei...
No meu caminho pela terra,
pelo imenso mundo,
cheio de perigo e mal,
à tua procura,
à procura do meu Ideal!
Onde existes?
No solitário eremitério,
nas moitas de urzes,
mesquinhas e tristes,
abandonada,
desprezada
na encosta do monte?
Estarás por ventura
atrás das rochas escondida,
despercebida
aos olhos daquele que te procura?
Ou disfarçada
em frescas boninas,
em margaridas finas
da encosta florida?
Onde te encontras bela arte?
Será na fria fonte,
Onde se banham joviais
Os belos pardais?
Será a tua morada
em algum triste cemitério
entre os goivos e as cruzes
dos frios covais?
Será, em várzeas imensas,
ao sôpro da brisa, murmurantes,
em arecais verdejantes
entre palmeiras densas,
ou, em belos jardins
entre os “zaiôs” em flor
e “mogarins”
de perfumes inebriantes,
entre belas rosas
e dálias formosas
a sorrirem d’amor,
onde correm,
sôbre leito d’areia fina
as águas rumorosas
da ribeira cristalina?
a que gruta d’ilusão,
a que caverna escura
te acolheste?
Que palácio encantado,
que palhota obscura
te acoita assim,
arte sublime,
que foges dos olhos de quem te procura?
Em que covil escuro,
to escondeste,
para assim
eu não te achar
e em parte alguma te encontrar,
en que, incansável,
em vão te procuro?...
O sol punha-se
lançando
nas nuvens azuladas
largas pinceladas
de sangue,
esbanjando,
por tôda, a parte,
raios fulgurantes de luz,
e os alegres passarinhos
recolhiam-se aos seus ninhos,
Cansado
do longo caminhar,
mais cansado que um romeiro,
mais trópego que um velho peregrino,
à minha cabeça descansei
na fresca alfombra,
à sombra
dum esguio coqueiro
donde balouçava
um frágil ninho abandonado...
Era o silêncio soturno das frias tumbas,
o silêncio mudo das catacumbas,
que reinava naquele remanso ameno,
esquecido na solidão que seduz!
Embalado
pelo sôpro da brisa fresca,
dormi... e sonhei:
— Num lago calmo
de água cristalina,
vogava silencioso
um cisne formoso
de brancura peregrina.
Na sua superfície espelhenta,
lisa e nua,
reflectia
a face ebúrnea da lua,
num céu de nuvens lavado,
como uma moeda de marfim
em vasta peça de setim...,
a rolar, a deslisar,
como uma formosa
e multicôr mariposa,
num belo jardim
perfumado,
por cima das flôres
a esvoaçar,
a doidejar...
A servir de moldura
a isso tudo,
sorria viçosa a verdura
luxuriante
de “zaiôs” em flôr,
de belas rosas,
de “mogarins” de perfume inebriante,
de dálias formosas
a desabrocharem d’amor!
A brisa fresca,
que suave soprava,
trouxe-me aos ouvidos extasiados,
os sons magoados
duma melopeia dolente,
duma melodia plangente,
triste, a transparecer
uma intensa paixão:
cheia de vida expressão:
era o cisne que cantava
as desventuras do seu viver!
Mãos mágicas dedilhavam,
harpas encantadas,
que soltavam sons dolentes,
acompanhando
um violino mavioso,
a soltar sons vibrantes,
melodiosos, plangentes...
que se iam pêrder
nas profundezas da minha alma!
A natureza inteira escutava
e o meu coracão inteiro palpitava!
Uma voz suave e calma
me animava,
aos meus ouvidos segredava,
dizendo: “Levanta-te
e segue animoso!
Não vaciles
perante obstáculos
nem pares, antes
que me encontres,
que eu estou
ao alcance de todos!
Eu estou em tudo o que é belo,
embora singelo...,
em tudo o que arrebat a alma»!
O sol sumia-se no oceano,
como, a luz da tocha,
sacudida por gigantesco sôpro,
E, pelo duro trilho,
entre a urze e a rocha,
subia, devagar, risonho,
cheio de confiança
a transbordar de esperança
o caminheiro de somho,
o paladino da arte,
que vai à busca da perfeição,
do seu elevado Ideal,
arcano da imortalidade,
que Meyerbeer sintetizou,
que Beethovem idealizou!
ORLANDO DA COSTA
Aluno do 6º ano do Instituto Abade Faria
1º Prémio do Concurso Literário, organizado
pela Associação Escolar do Liceu (1944)
Publicado na Revista “ALA” da Associação Escolar do Liceu Nacional de Afonso de Albuquerque – 1945, Pgs 62-64
De forte resolução
Não tem razão quem se cala
Ao ver o mundo que exala
Em falta de opinião.
Morre à sede uma criança
Entre milhares que se vão
Poetas gritai a esperança
Fazei dos versos canção.
A justiça é uma balança
Que não nos pesa a razão.
Outra além morre de fome!
E nos deixamos morrer?
Poetas gritai seu nome
Que nenhuma força dome
A razão que tem que ser!
Poetas erguei a voz
Morre o mundo em todos nós.
Marilia Gonçalves
2.
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“O meu Ideal”
Música!
Música bela,
arte Sem igual
estarás tu, meu ideal,
ao meu alcance,
ao alcance…
dum ente mesquinho
como eu?
Tu, que és a esperança
do pobrezinho,
o bálsamo sagrado
dos que sofrem,
dos que a felicidade
desconhecem
o ungüento suave,
não me dirás
onde existes,
em que lume azulado
tu crepitas,
em que coração desventurado
tu palpitas?...
Onde te encontras?
É nas moitas tristes,
espalhadas pelos montes,
e banhadas pelas águas frias
das fontes,
que te achas?
ou, no botão de rosa
a desabrochar,
na dália formosa
a desfolhar?
Tu, que beijas a fronte
do pobre órfão,
que carícias não conhece,
que afogos desconhece,
como a esperança duma benção;
tu, arte incomparável,
que enxugas os olhos
à viúva triste,
que, inconsolável,
chora a morte do marido,
que já não exsite...;
tu, dos desventurados
a esperança,
a aurora a raiar
aos olhos do náufrago desgraçado,
que, ao sôpro do vento forte,
vagueia sem norte,
ao sabor das águas;
onde, onde existes?
Tu, que foste para mim,
para o meu coração,
de abròlhos plantado,
como o sol,
que em rúbido arrebol,
se ergue por detrás das serras,
a raiar
por sôbre as terras...,
ou como a lua num cemitério,
por entre os ciprestes, a espreitar,
e em plaguas enluaradas,
a beijar
as tumbas frias, abandonadas;
onde te encontras?
Não me dirás
a mim, que to recebi,
e no meu coração,
tão pequeno, tão desventurado,
te acolhi,
com aquela ternura
com que a mãi,
cheia de desventura,
beija o filho amado,
com aquela alegria,
com que o prêso inocente,
em fria masmorra atirado,
saúda
o primeiro raio de sol,
que, pela fresta esguia,
Ihe vem beijar...
os pés algemados!;
não me dirás
onde te encontras?
Em que botão a estiolar,
em que lírio a desabrochar
te acharei, bela arte
por mim almejada?
Que palácio encantado,
que paraíso d’ilusão
te serve de morada?
Eu, que me tenho arrastado
da mais alta serra
ao vale mais fundo,
por arrozais louros
e montes rochosos,
por palmares verdejantes
e areais calcinantes,
por prados em flôr,
por trilhos dolorosos...
com palácio algum encantado
topei...
No meu caminho pela terra,
pelo imenso mundo,
cheio de perigo e mal,
à tua procura,
à procura do meu Ideal!
Onde existes?
No solitário eremitério,
nas moitas de urzes,
mesquinhas e tristes,
abandonada,
desprezada
na encosta do monte?
Estarás por ventura
atrás das rochas escondida,
despercebida
aos olhos daquele que te procura?
Ou disfarçada
em frescas boninas,
em margaridas finas
da encosta florida?
Onde te encontras bela arte?
Será na fria fonte,
Onde se banham joviais
Os belos pardais?
Será a tua morada
em algum triste cemitério
entre os goivos e as cruzes
dos frios covais?
Será, em várzeas imensas,
ao sôpro da brisa, murmurantes,
em arecais verdejantes
entre palmeiras densas,
ou, em belos jardins
entre os “zaiôs” em flor
e “mogarins”
de perfumes inebriantes,
entre belas rosas
e dálias formosas
a sorrirem d’amor,
onde correm,
sôbre leito d’areia fina
as águas rumorosas
da ribeira cristalina?
a que gruta d’ilusão,
a que caverna escura
te acolheste?
Que palácio encantado,
que palhota obscura
te acoita assim,
arte sublime,
que foges dos olhos de quem te procura?
Em que covil escuro,
to escondeste,
para assim
eu não te achar
e em parte alguma te encontrar,
en que, incansável,
em vão te procuro?...
O sol punha-se
lançando
nas nuvens azuladas
largas pinceladas
de sangue,
esbanjando,
por tôda, a parte,
raios fulgurantes de luz,
e os alegres passarinhos
recolhiam-se aos seus ninhos,
Cansado
do longo caminhar,
mais cansado que um romeiro,
mais trópego que um velho peregrino,
à minha cabeça descansei
na fresca alfombra,
à sombra
dum esguio coqueiro
donde balouçava
um frágil ninho abandonado...
Era o silêncio soturno das frias tumbas,
o silêncio mudo das catacumbas,
que reinava naquele remanso ameno,
esquecido na solidão que seduz!
Embalado
pelo sôpro da brisa fresca,
dormi... e sonhei:
— Num lago calmo
de água cristalina,
vogava silencioso
um cisne formoso
de brancura peregrina.
Na sua superfície espelhenta,
lisa e nua,
reflectia
a face ebúrnea da lua,
num céu de nuvens lavado,
como uma moeda de marfim
em vasta peça de setim...,
a rolar, a deslisar,
como uma formosa
e multicôr mariposa,
num belo jardim
perfumado,
por cima das flôres
a esvoaçar,
a doidejar...
A servir de moldura
a isso tudo,
sorria viçosa a verdura
luxuriante
de “zaiôs” em flôr,
de belas rosas,
de “mogarins” de perfume inebriante,
de dálias formosas
a desabrocharem d’amor!
A brisa fresca,
que suave soprava,
trouxe-me aos ouvidos extasiados,
os sons magoados
duma melopeia dolente,
duma melodia plangente,
triste, a transparecer
uma intensa paixão:
cheia de vida expressão:
era o cisne que cantava
as desventuras do seu viver!
Mãos mágicas dedilhavam,
harpas encantadas,
que soltavam sons dolentes,
acompanhando
um violino mavioso,
a soltar sons vibrantes,
melodiosos, plangentes...
que se iam pêrder
nas profundezas da minha alma!
A natureza inteira escutava
e o meu coracão inteiro palpitava!
Uma voz suave e calma
me animava,
aos meus ouvidos segredava,
dizendo: “Levanta-te
e segue animoso!
Não vaciles
perante obstáculos
nem pares, antes
que me encontres,
que eu estou
ao alcance de todos!
Eu estou em tudo o que é belo,
embora singelo...,
em tudo o que arrebat a alma»!
O sol sumia-se no oceano,
como, a luz da tocha,
sacudida por gigantesco sôpro,
E, pelo duro trilho,
entre a urze e a rocha,
subia, devagar, risonho,
cheio de confiança
a transbordar de esperança
o caminheiro de somho,
o paladino da arte,
que vai à busca da perfeição,
do seu elevado Ideal,
arcano da imortalidade,
que Meyerbeer sintetizou,
que Beethovem idealizou!
ORLANDO DA COSTA
Aluno do 6º ano do Instituto Abade Faria
1º Prémio do Concurso Literário, organizado
pela Associação Escolar do Liceu (1944)
Publicado na Revista “ALA” da Associação Escolar do Liceu Nacional de Afonso de Albuquerque – 1945, Pgs 62-64
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