Páginas

Páginas

Páginas

Páginas

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Quino


 

Quino

 


palavras mortas

 

Na noite nascer a noite

a mais total escuridão

com todo o mal que se acoite

preso aos dedos duma mão.

 

Olhos nunca rasgados

recusa forte de olhar

por onde correm gelados

um rio imenso ou o mar.

 

Onde no gesto negado

а não arrancada língua

há sons sempre sufocados

palavras mortas à míngua.

 

Erguidos em pesadelos

gestos de frio ou de horror

que nos põem nos cabelos

a sombra, vozes, a cor.

 

Marilia Gonçalves

Vem, traz-me lembrança de mundo perdido

          SELVA


Vem, traz-me lembrança de mundo perdido
atrás das acácias, berço de panteras
antílopes loiros cavalgam o espaço
olfacto sentindo o cheiro das feras.
Vermelho se estende sempre mais além
o poente agreste de nossos sentidos
rasteja a savana nos tufos que tem
ardentes ao sol, todos ressequidos.
Estirado o leão a juba levanta
corre uma leoa atrás da pacaça
salta sobre a presa, prende-lhe a garganta
um bando oportuno, a espreitar esvoaça.
 
 
O urro distante de algum elefante
encheu de silêncio o tempo bravio
as fêmeas, as crias, no chão calcinante
levantam as trombas no seu desafio.
As aves canoras de plumas brilhantes
ferem o azul em traço garrido
enquanto macacos em árvores distantes
saltitam e fazem ouvir seus grunhidos.
A selva, animal que vive d’instinto
ancestrais costumes faz reproduzir
mas o ser humano (esse labirinto)
os seus próprios actos sabendo medir
podia ao jardim, o éden da Paz
levantar do tempo, não mais ser quem foi
esquecendo o impulso soberbo voraz
parar, recusar tudo o que nos dói.
Deixemos à selva animal sem escolha.
Mas nós, seres humanos feitos pró amor
dispamos a dor, como quem desfolha
o tempo do sonho, cada vez maior.
 

PAZ

 

Há no arvoredo

o timbre do medo

velho secular.

atravessou história

dentro da memória

ficou a pairar.

 

Do tempo profundo

na sombra do mundo

apenas segredo

o homem escondido

escutava o bramido

do mar no fraguedo.

 

Milénios passaram

paisagens mudaram

o homem sofria

estendendo prós céus

os braços a deus

que não respondia.

 

No dia presente

como antigamente

a humanidade

não quer ver em si...

chora, canta, ri

sem fraternidade.

 

Na mente saudosa

esfolhando uma rosa

não olha o futuro

mas tem entre mãos

o mundo de irmãos

a brilhar no escuro.

 

Até que por fim

brotará de nós

de ti e de mim

o som grandioso

a Paz, terra em gozo

a terra um jardim.

O jardim formoso.

 

               Marília Gonçalves

desvendar da ideia.

 

Batem sombras à porta

da ideia que nos finta

palavras chegam e partem

a adejar coloridas

mas raramente são chave

do desvendar da ideia.

Nem todas trazem o sumo,

o essencial da voz.

Letra palavras a prumo

a gritar dentro de nós.

 

 Marília Gonçalves