Páginas

Páginas

Páginas

Páginas

NOIVOS 1967


 

Lambendo o dorso do delfim de trapo

 

Lambendo o dorso do delfim de trapo




a irisada espuma se transforma




nas verdes águas que num gesto largo




espelham as águas que em sombra se afundam.








A beleza é efémera. Não se guarda




senão no cofre da memória aberta   




ardentia de luz que se desata




na distância dos olhos do poeta.








múrmuros mares, ondulante pele




o vento tange dedos invisíveis




assobia no ar níveo corcel.








Adormecem em nós, múltiplos sonhos,




vai-se esvaíndo leve, a esperança antiga




no desmaio longínquo das estrelas.








Marília Gonçalces




















vestido rodado

 

A cal escorria-me dos olhos azuis de tanto céu e transformava-se em manchas doiradas ao poisar no chão. O verde dos vinhedos coloria-me o vestido e mesmo as mãos lembravam acenos da paisagem. A terra tisnada num reflexo de tempo, de sol, abria-se à procura de ar ou de agua que mais abaixo murmurava suave. Ribeiro, não,não era. Antes uma fita ondulante e musical a refrescar a tarde, rasgada apenas pelo som das cigarras. Pássaros não os havia àquela hora de calor. Perto da pequena nascente o zumbido atordoante das abelhas, numa reincidência de mel.

 Foi há muitos anos, tão longe daqui. Quase duvido ter sido eu a presenciar tal imagem da vida.
Não uso vestido rodado nem rodopio a cantar, mas sei que dentro de mim existe ainda, embora não saiba bem onde, essa que nos dias meninos olhou e viu.




 








eu 22 anos


 


Anais & Didier Barbelivien ( Les Maries de Vendee / 1992 )

 

Victor Hugo- en parle aussi, de la Vendée à cette époque

mar da cor do fim do dia

 

No cais do sofrimento

a estrela d’alva

poisou no meu barco de papel

No século, milénio, se enleava

nos poros a sangrar da minha pele.


Vestiu-se o mar

da cor do fim do dia

a noite era mais noite 

que por fim

a estrela em vermelho diluía

cântico a nascer dentro de mim.


Marília Gonçalves 




fome do teu amor.

 

Nasce a manhã

é o dia

recomeça o movimento

despertar da alegria

ao ver chegar o momento

de ouvir teus passos de novo

tua voz  funda de mar

no teu olhar me comovo

meu amor, tu vais chegar.


Vou ouvir-te o riso bom

aquecer-me ao teu calor

inundar-me no teu som

na fome do teu amor.

     Marília Gonçalves