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quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Simples

 

Menina lembra menina

o dia quente a sorrir

a flor rubra da campina

o laço tempo a fugir.


Menina trazes nos braços

aves, poeira, cansaços

entre flores da alegria.


Menina o amanhã vem

e há-de encontrar-te  mãe

em laços desconhecidos.


Hão-de esmorecer-te sorrisos

na ânsia desse viver.

Dias, os teus, que vencidos

Não chegaram bem a ser.

M.G.


Amanhã talvez

se alargue o infinito

o que um dia se foi

quem sabe se em teus olhos

dentro da tua alma

serei outra vez linda.

E traga em mim

A beleza do tempo

que escrevo sem ter fim.



                                    


 

a história começava.

 

Era uma vez história que estava por nascer. Naquela tarde quando horas de calor

 se distanciavam veio espreitar pelo aparo da caneta que a encerrava. 

Gostou do que viu. O quarto em tons creme, amarelo claro, mel envolto

 em ténue véu de luz entardecida. 

Tinha chegado o momento de nascer. Juntou as forças num grito de tinta

 esperou a mão que viria concretizá-la.

A ideia de que pouco lhe faltava para sua aventura vital, excitava-a. 

Alegria nova circulava-lhe no interior. 

Nisto a porta do quarto bateu. Aproveitou para espreitar de novo e melhor.

 duas pessoas tinham entrado.

    Qual delas será a que vai ficar ligada a mim, num laço do meu sangue, soltando-me?

Mas ela não percebera que nascera no momento em que tinha apercebido o exterior. 

Quando se sentisse viria a compreender que ao exteriorizar seu interior a história começava.

 

 

 

 


 

 

a minha caneta (prenda do Castro)

talvez

 

Quietude de sons. Longínquo tic-tac murmura tempo, a sua duração. 

Tempo medida na continuidade das estações. 

Dissiparam-se apenas há instantes sombras nocturnas e voaram.

Na clareira onde mora o dia movem-se seres alados. 

Desvanece-se a gruta para onde sol poente se retira. 

A  claridade é a memória da luz distanciada. 

A memória germina toma forma de horas de silêncio. Floresce. 

Alvorece a facetada luz do novo dia. Cânticos tingem

o ar. Tons azuis elevam a luz à água transparente. 

Diamantário estranho, esse, que talha as faces da manhã. 

O belo a elevar-se na voz de pássaros. 

Árvores sacodem a fronte no pensamento das folhas.

 O vento é brando, leve. ondulação na 

seara do dia. Colheita será  pão na mo do racional. 

As velas do moinho estão abertas em olhos de poeta.

 Giram na compreensão do lume da ideia.

 

  hora matinal a desconhecer a outra. a que destrói.



talvez a dor que me dói

não seja a mesma que foi

seja asa, não prisão

seja voo seja mão

seja canto, liberdade

seja amor, seja pão

e seja fraternidade.


                 



olhar a penetrar a treva

 

Para aonde nos fogem os olhos cansados de nada verem? Em olhar interiorizado, esvaem-se paisagens distantes do antigo presente. Perdem-se para se reencontrarem a indagar caminho por onde prosseguir

sem monotonia de gestos bisados, sem poisar invariavelmente  sobre o que se depara à nossa frente

sem procura. Encontraram neste caminho interior voz que é futuro e foi passado

 a prolongá-los a dar-lhes sentido de meta que nao se atinge, oásis fugidio mas sempre no olhar. 

Olhos mais que órgão da visão, indispensáveis a outra forma de ver, à análise. Desvendadores de expressão de sulcos de alegria ou de esmorecimento como íman atraem outros que passam ou ficam. Nesse caso são olhos amor. Amor- amizade ou amor- amor, que dizem alguns que nos cega, mas nos dão afinal outra maneira de olhar  .  Toma então nosso olhar a dimensão de vida que nós falta.

olhar a penetrar a treva. Olhar tolerância ou olhar rigoroso, ou poético ou cientifico.

 olhar a devolver-nos à Natureza na naturalidade pra que foi criado.

Olhos mais que órgão da vista, os da abertura de espirito.

 

 

                           



                                                      Acima da Cidade

                                                                                         Marc Chagall


perpetuar do efémero.

 

Chegou o calor. A Primavera vai adiantada. pássaros cantam nas árvores esquecidas da nudez invernal. Verdejante o solo nas alturas, no fundo azul do céu.

Mas dentro de mim a Primavera não chegou ainda.

Ou chegou o Verão sem poisar no nascer da folha.

Noutra paisagem, noutro céu. Dramático haver para o ser humano uma paisagem estival outra para o Inverno... o inverno é isto aqui ao contrário de agora. O Verão

também isto aqui mas mais intenso mais autêntico, mais vibrante. E eu, perdida neste torvelinho de estranhas sensações vindas de paralelos estabelecidos entre dois sins, entre dois mundos que se sucedem, prolongam. A única vantagem que nós seres humanos podemos uns em relação aos outros é talvez a de compreender o que sentimos. Mas se isto que se sente por detrás do externo se chama angustia então por que nao a dominamos se a reconhecemos? Que haverá para alem da similitude da paisagem ou do afastamento da recordação? O tempo de viver, até nos fundirmos nas estações. O tempo de viver! nas transformações a que assistimos passivos. mas como estar activos em acto a que a Natureza preside, que só ela cria, controla?

  A criação, o perpetuar do efémero. Concretização do sonho, do vago, do abstracto.

Intervenientes na transformação destrutiva, somos por isso este mal-estar. Nao será porque esquecemos o todo natural a que pertencemos? E somos artificio. Vivemos nossas estações interiores sem contraste, na monotonia dos que esqueceram o bem que faz chorar, como sabe bem rir.

 

 

                                   




antigo

Persigo continuamente
um fantasma tão antigo
que de mim se esconde sempre
não sei onde, bem escondido.
eu que nunca o encontro
não o vejo mas procuro
sei que tem a cor da vida
e tem a voz do futuro!






Há certos dias

 

Há certos dias em que em resposta à idiotice, sinto irreprimível vontade de rir!
Faço ou fazes uma lista em que colocas acima de tudo, a deusa
Poesia! vem só irreverente, contestatária,saia de roda a dançar ao vento, subversiva semeia sua voz, nas mãos do vento. Ri, perdidamente, enlouquecida no coração das águas.
 
E na lonjura somada das noites, ecoam os risos da Liberdade reinventada.
Marilia Gonçalves
- Poeta del Mundo