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A Certo Acontecimento

 

A Certo Acontecimento


Se o piropo é fogo rubro

(é a ciência que o diz)

num madrigal a Granada

louvemos o aprendiz

que de Belas para as belas

faz inveja de Paris.

 

 

    Marília Gonçalves 

 


 

 

 

 

 



cânticos d’água

 

Descubro dedos de rio

no sudário dos teus montes

enquanto gelam de frio

cânticos d’água nas fontes.


Pele da terra sulcada

pelos caminhos do tempo

terra virgem violada

pelo vento.

 

                Marília Gonçalves 

 


 

 

 



Purpúrea

 

Mágica noite de encanto

donde vem a tua voz

feita de sonho, de pranto

a sombra  que é o teu manto

soluça dento de nós.


Estrelas perfumam em oiro

a nocturna solidão

o dia esconde-se loiro.

Escondeu o sol, nasce a lua

arco de castelo moiro

emoldura a noite nua.


Dançam névoas pelo céu.

O azul oriental

é o teu olhar no meu

tão escuro que me faz mal.

O mar desenha uma vela

de nau há muito distante...

de nau ou de caravela

que segue rumo a Levante.


Ondas que vêm de manso

acariciar a pele

do sonho que sem descanso

vai mais longe do que alcanço

na brancura do papel.


Meu sonho! Todo em lonjura...

Purpúrea acende-se a tarde...

se é febre, raiva ou loucura

têm a voz da ternura

que em meus olhos por ti arde.

 

 

                Marília Gonçalves 

 


 

 



partir

 

A noite vai descendo vagarosa

o campo vai ganhando sombra a sombra

mesmo a casa

à pouco luminosa

adormece na asa

que em nós pousa.

 

A noite vem descendo não sei bem

se a noite é mais profunda que parece

também em mim anoitece.

 

Arrefece a paisagem do que sou

vibrante, sensível, transparente

não sei se o dia que chegou

vai partir de repente.

 

O arrepio, talvez uma ameaça

paira em forma assustadora.

Será só vento que passa?

Ou vida que vai embora?

 

Mistério ...o tempo esconde

verdadeira.

Ao longe o eco responde...

a voz água da ribeira


vais partir...de que maneira?

 

 

    Marília Gonçalves 

 


 

 

 

 

 



Mais um verso

 

Escrevo na noite talvez

Pra me fazer companhia

Com as palavras que deito

Na folha que é cor do dia.

 

Clara luz, que vem na noite

Falar do mundo perdido

A estalar como o açoite

Sobre meu corpo dorido.

 

Mais um verso

Só mais um,

Apenas uma palavra

Que gemidos um a um,

A voz na alma se crava.

 

Versos na noite sem pranto

Onde só versos respondem

Ao desalento, ao encanto

De versos que versos escondem.

 

 

 


Tejo doce e mar.

 

Noite mulata

O teu corpo de cetim

Vai roçar pelo luar

E não tem pena de mim.


Noite sombria

Pela sombra calada e fria

Há um eco de alegria

Que às vezes nos vem lembrar

Um outro dia

Quando a velha Mouraria

Soluçava em seu cantar

Numa noite sem luar


Noite felina

Pela avenida sozinha

Tens um corpo de varina

Desenhado no luar

Tuas colinas

Sobre a cidade menina

São a Lisboa perdida

Junto ao Tejo doce e mar.


Noite mulata

O teu corpo de cetim

Vai roçar pelo luar

E não tem pena de mim.

 

    Marília Gonçalves