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sexta-feira, 20 de setembro de 2024
A Certo Acontecimento
A Certo Acontecimento
Se o piropo é fogo rubro
(é a ciência que o diz)
num madrigal a Granada
louvemos o aprendiz
que de Belas para as belas
faz inveja de Paris.
Marília Gonçalves
cânticos d’água
Descubro dedos de rio
no sudário dos teus montes
enquanto gelam de frio
cânticos d’água nas fontes.
Pele da terra sulcada
pelos caminhos do tempo
terra virgem violada
pelo vento.
Marília Gonçalves
Purpúrea
Mágica noite de encanto
donde vem a tua voz
feita de sonho, de pranto
a sombra que é o teu manto
soluça dento de nós.
Estrelas perfumam em oiro
a nocturna solidão
o dia esconde-se loiro.
Escondeu o sol, nasce a lua
arco de castelo moiro
emoldura a noite nua.
Dançam névoas pelo céu.
O azul oriental
é o teu olhar no meu
tão escuro que me faz mal.
O mar desenha uma vela
de nau há muito distante...
de nau ou de caravela
que segue rumo a Levante.
Ondas que vêm de manso
acariciar a pele
do sonho que sem descanso
vai mais longe do que alcanço
na brancura do papel.
Meu sonho! Todo em lonjura...
Purpúrea acende-se a tarde...
se é febre, raiva ou loucura
têm a voz da ternura
que em meus olhos por ti arde.
Marília Gonçalves
partir
A noite vai descendo vagarosa
o campo vai ganhando sombra a sombra
mesmo a casa
à pouco luminosa
adormece na asa
que em nós pousa.
A noite vem descendo não sei bem
se a noite é mais profunda que parece
também em mim anoitece.
Arrefece a paisagem do que sou
vibrante, sensível, transparente
não sei se o dia que chegou
vai partir de repente.
O arrepio, talvez uma ameaça
paira em forma assustadora.
Será só vento que passa?
Ou vida que vai embora?
Mistério ...o tempo esconde
verdadeira.
Ao longe o eco responde...
a voz água da ribeira
vais partir...de que maneira?
Marília Gonçalves
Mais um verso
Escrevo na noite talvez
Pra me fazer companhia
Com as palavras que deito
Na folha que é cor do dia.
Clara luz, que vem na noite
Falar do mundo perdido
A estalar como o açoite
Sobre meu corpo dorido.
Mais um verso
Só mais um,
Apenas uma palavra
Que gemidos um a um,
A voz na alma se crava.
Versos na noite sem pranto
Onde só versos respondem
Ao desalento, ao encanto
De versos que versos escondem.
Tejo doce e mar.
Noite mulata
O teu corpo de cetim
Vai roçar pelo luar
E não tem pena de mim.
Noite sombria
Pela sombra calada e fria
Há um eco de alegria
Que às vezes nos vem lembrar
Um outro dia
Quando a velha Mouraria
Soluçava em seu cantar
Numa noite sem luar
Noite felina
Pela avenida sozinha
Tens um corpo de varina
Desenhado no luar
Tuas colinas
Sobre a cidade menina
São a Lisboa perdida
Junto ao Tejo doce e mar.
Noite mulata
O teu corpo de cetim
Vai roçar pelo luar
E não tem pena de mim.
Marília Gonçalves





