Páginas

Páginas

Páginas

Páginas

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Poesia | Antonio Machado(1875-1939) - O crime foi em Granada a FEDERICO GARCIA LORCA

 


Poesia | Antonio Machado(1875-

1939) - O crime foi em Granada 

I. O crime

Viram -no, caminhando entre fuzis

por uma longa estrada,

sair ao campo frio,

ainda com estrelas, madrugada.

Mataram a Federico

quando a luz já se elevava.

O pelotão de verdugos

não ousou olhar sua cara.

Todos fecharam os olhos;

rezaram: nem Deus te salva!

Morto caiu Federico

– sangue na fronte e chumbo nas entranhas –

...Foi lá em Granada o crime,

sabei – pobre Granada – , em sua Granada.

II. O poeta e a morte

Viram-no caminhar a sós com Ela,

sem temer sua gadanha.

– Já o sol de torre em torre; e já os martelos

na bigorna – metal, metal das fráguas.

Falava Federico,

galanteando a morte. Ela o escutava.

“Porque ontem no meu verso, companheira,

soava o golpe de tuas secas palmas,

e deste o gelo ao meu cantar, e o gume

de tua foice de prata à minha desgraça,

te cantarei a carne que não tens,

os olhos que te faltam,

teus cabelos que o vento sacudia,

os rubros lábios em que te beijavam...

Hoje como ontem, morte, minha cigana,

que bom estar só contigo ,

por estes campos de Granada, minha Granada!”

III.

Viram-no caminhar...

Talhai, amigos,

de pedra e sonho, lá no Alhambra

um túmulo ao poeta,

sobre uma fonte na qual chore a água,

e eternamente diga:

foi em Granada o crime, em sua Granada!

 

veleiro de água e luar

 

Teu corpo pede corpo de mulher

que nada peça, mas tudo saiba dar

corpo incendido no teu

veleiro de água e luar

que te leve pelas esteiras

das profunduras de amar

que saiba ser sangue e beijo

a saber de longe olhar

para em teu desejo ser

o incêndio a marulhar

ver teu olhar que desperta

entre sereias vogando

o teu desejo crescer

desnudos seios em bando

trilhando a espuma e saliva

desse vime que perdido

face ao corpo de mulher

sente febre de vencido

desse abismo sem igual 

falésia sempre mais fome

sem que tua força dome

em teu desejo animal.

chegam de longe em seis véus

numa névoa oriental

mil sentidos que nos teus

vêm na fúria  final

vencer febril o batel

que de velas enfunadas

vê assaltar em tropel

o mastro de horas salgadas

 

Marília Gonçalves