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quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Sou negra hindu pele vermelha

 

Sou negra hindu pele vermelha

árabe, persa asiática

morena, branca, amarela,

sou incolor, aquática...

Sou rude como montanha

sou macia como arminho

tomo qualquer forma estranha

de cada irmão que adivinho

Sou feita de ar e de sol

de luz, de sangue de vento,

tenho a voz dum rouxinol

a soltar-me o pensamento.

Sou mistura conseguida

do humano universal

fecundo fruto da vida

porque a vida é natural.

 

 Marília Gonçalves

 


 

 

 

Minha mãe

Planície

Maria morena

viravoltas de fogo.

 

Sentei a palavra à mesa
manjar ao sol da ideia
no vendaval de luar;
aberto sulco no monte
olhar a procurar sombra.

Ciganos velejadores
dão viravoltas de fogo.
Escondem no ventre da terra
a promessa de amanhã.

Malabaristas de luz
trazem de nuvens de pó
o amor original
a saber se derradeiro...

A força é bater à porta!


Marília Gonçalves
 

 

A ESFERA

 

 A ESFERA

Levada na mão do vento Norte
entre estrelas altíssimas subiu.

Vejo-a brilhar agora na distancia
a esfera de luz não voltou mais
como não volta mais esfera de luz
suavemente
poisou-me  um dia na mão
tão brilhante transparente
ilusão...

Durante anos a esfera
iluminou-me olhos, a mão.
Nasciam versos dessa luz virente
sangue a fluir do coração.

Olhei-a na ternura de criança
a olhá-la cresci
fiz-me mulher.
Minha esfera d’esperança
não parava igualmente
de crescer.

Certo dia soprou o vento, forte
minha esfera de luz não resistiu
levada na mão do vento norte
entre estrelas altíssimas subiu.

Vejo-a brilhar ao longe na distancia
a esfera de luz não voltou mais
como não volta mais a minha infância
d’inocência, cantos naturais.
é um poema mais
ou é o grito!

Cada vez que lembro a esfera ausente
a acenar dos fins do infinito.


Marília Gonçalves

Febre

 Febre

Febre, sede ou intempérie
alucinação de ser
musica poema tempo
página branca a arder.

Sinuoso sentimento
mítico tom amanhã
desdobrar do movimento
no folhear da manhã.

Marília Gonçalves


 

Anoiteceu

 

Anoiteceu



Anoiteceu. dentro de mim avolumam-se sombras, desvanecem-se contornos esbatidos no dédalo por desvendar. nas arestas apagadas que asperidade, que tormento oculto foge à interpretação da luz? Por dentro olho-me numa cintilação de memória, cujo cristal se aproxima e afasta simultaneamente.
A cor fascina-me pelo que aprendi dela. Há muito sei, haver no irisado tonalidade de sorriso de chuva.
Embrenho-me no desconhecido, aprofundo a floresta que apenas a minha passagem desvirtua. Tentativa suprema
de sondar a treva, agito a mão, esperando gesto mágico ou som de estrada a desbravar. Uma ribeira interior circula-
-me nos passos, aproximar-me da fonte. Manancial transparente oculta vida estranha na pedra que se afunda.
Surgem brancas aves na encruzilhada de argila. Rastejam-me aos pés formas desconhecidas. nos meus olhos aumentam as tempestades do pressentimento.
Alquimia invencível, os elementos transformam-se, transtornam-me até ao todo humano em que me reconheço.
Para além de mim, da luz, da sombra, matéria informe, modelada pela natureza a devolver-nos à nossa humanidade.




Marília Gonçalves