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sábado, 17 de agosto de 2024

Lira

Ao burguês

 

Ao burguês
 
Anda daí 
 meu sacana
deixa a roupa
pelo caminho
e põe-me essa lama
a nu.
Tu alma? Tu és um bicho
que se fala
è por engano
da Natureza traída!
Tu és triste?
Ó fingimento
Ó regabofe
da máscara que tu és
pr’além daquela que usas.
Ó puta de hipocrisia
falinhas mansas difusas
em charco de nostalgia.
Ó merda no meu caminho
que me atropelas os olhos
e fazes crescer no chão
o lodo apenas o lodo.
Lodo é pouco, podridão.
 
 



Celeiro de abundância vazio, à fome de alguém

 

Celeiro de abundância
vazio, à fome de alguém
bate-te à porta a infância
famélica ao pé da mãe.
Inútil pão doutro dia
nos olhos de ver morrer!
Quem pode ter alegria
por a semente prender?
Vendavais! Levem o muro
que prende o pão de amanhã.
Sementeira do futuro
a negar a vida vã.
Só quando livre a seara
crescer em pão mundial
a manhã será mais clara
nas margens do ideal.
Quando fluente o olhar
vier poisar de mansinho
na forma do verbo amar
pelas curvas do caminho
Nós então seremos povo
seremos gente a valer
semente do homem novo
que de nós há-de nascer.
 
 
Marilia Pimenta Gonçalves 
 
aqui em França, o amarelo é colza
 

 

Reiterar meu culto à amizade

 

Reiterar meu culto à amizade
cujo sentido apenas adivinhas
que importa o novo nome prá saudade
de tuas leves mãos prendendo as minhas.
Remanso de colheita d’água amarga
oceano de sol no meu olhar
afecto tão profundo que não larga
intenso brilho, em mim vindo poisar.
Outono de tons torvo tormento
meus olhos adormecem na paisagem
a amizade em cântico ou lamento
procura-te em delírio na miragem.
No ermo que me habita, me magoa
um ai se escuta vindo de tão fundo
a triste poetisa de Lisboa
desfaz-se evapora-se do mundo.
Desfalece o cântico de cisne
cor de plumagem afinal que importa
a dor mesmo incolor é sempre triste
mesmo se envergonhada bate à porta.
Delinear de dias sem sentido
na espera dum sorriso, ai candura
a deixar-me entrever o paraíso
onde afinal é sempre noite escura.