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sábado, 15 de junho de 2024
Alerta
Minhas filhas chamem os amigos !
Alerta
Grita filha !
há uma aranha
na brancura da parede
que peçonhenta, tamanha
vai tecendo sua rede.
Grita filha !
essa fobia
É protecção natural
contra a aranha sombria
que além de símbolo
é mal !
Grita com todas as forças !
Grita porque há mesmo perigo
essa aranha uma cruz negra
é o pior inimigo.
Por meu amor não te cales !
Grita filha
tua mãe
impele-te pra que fales :
contigo grito também !
Essa aranha que se estende
tem o passo marcial
com fúria que surpreende
o incauto, em voz fatal.
Grita filha
o bicho imundo
sai vertiginosamente
da sombra vinda do fundo
em veneno de serpente.
Tal a jibóia medonha
enrola-se, abraça o mundo
pra ir crescendo em peçonha.
Introduz-se em toda a parte
tudo corrói e desfaz
É inimiga da Arte
do Ser Humano da Paz.
Grita filha !
mas tão alto
num grito tão verdadeiro
que desperte em sobressalto
o que não quer ver primeiro.
Essa aranha pestilenta
odeia a própria Cultura
em fogueira que alimenta
livro após livro censura.
Opõe à Humanidade
a sua força brutal
por onde ela passa invade
mata o constitucional !
É um monstro repelente :
primeiro ataca o mais fraco
para ir seguidamente
oculta em cada buraco
destruir a Liberdade.
Inimiga da diferença !
Grita !
minha filha Grita !
Faz ouvir tua presença.
Aponta o bicho feroz,
mostra-o, sacode os amigos
com a força da tua voz !
Grita !
esse enredo de perigos !
Grita filha ! Desta vez
esse grito é racional
porque essa aranha é o não
ao direito universal.
Sem medo abre tua boca !
Grita alto ! Grita forte !
Porque toda a força é pouca
Para lutar contra a morte.
Grita ! Grita minha filha
não te cales nunca mais :
não se veja outra Bastilha
prendendo os próprios jornais !
Que teu grito seja infindo
circule dê volta ao mundo,
jovem voz entusiástica
erguendo o povo profundo
contra a bandeira suástica.
Marília Gonçalves
Meio Século
Meio Século
No tempo em que os cavalos
tinham patas de vento
o voo ultrapassava a dor
e as raízes
quando sonhos azuis
não podiam montá-los
a desenhar o sulco
de térreas cicatrizes.
No tempo em que os cavalos
não escolhiam caminho
levantavam as crianças
do solo atraiçoado
no tempo dos cavalos
e das imperatrizes, as leis,
eram sombra de quem ia montado.
No tempo em que os cavalos
desenharam memória
da cor da sua cinza
sobre a cinza dos dias
no tempo em que o terror
era vê-los, olhá-los
como vento a passar sobre histórias vazias.
No tempo em que os cavalos
numa cidade inquieta
galopavam no tempo
que não queria parar
uma mancha de sangue
desenhava-se preta
nos dias ressequidos
a perder-se no mar.
No tempo em que os cavalos
eram maiores que a estrada
havia vozes cegas
ou olhos por gritar…
no tempo em que eram monstros
que vinham dispará-los
sobre a esperança nascida
que não queria murchar…
No tempo dos cavalos
no tempo dos cavalos
na Pátria ia crescendo
a raiva popular.
Marília Gonçalves
Aos amigos
Aos amigos
É bom falar contigo
bom, dar a nossa voz a quem
a sabe olhar
é triste falarmos com ninguém
com o silêncio apenas a escutar.
É bom ter uma voz na distância
é um eco ou uma infância
a escutar de espanto nosso rosto…
É bom velejar e ser verdade
como luz a arder-nos na saudade
para rirmos do que era só desgosto.
É bom descobrir fraternidade
é bom dizer futuro, dizer há-de
é bom dentro de nós voltar ao porto.
Marília Gonçalves
*
águas de Tejo
Lisboa em águas de Tejo
vem desaguar-me na mão
cada verso é mais um beijo
saído do coração.
Lisboa cidade rosa
olhos caiados de sol
ó asa de mariposa
em vozes de rouxinol.
Lisboa cidade rara
meu berço ninho ao luar
há sonoridade clara
no adormecer do mar.
Lisboa o céu incendeia
o teu brilho teu fulgor
como tela ainda cheia
da alma dalgum pintor.
.
Lisboa das Avenidas
pregões, ruas e mercados.
A vida de tuas vidas
flor silvestre, loiros prados.
Lisboa em ti eu deponho
na saudade que tu és
toda a imagem de sonho
do Tejo a beijar-te os pés.
Marília Gonçalves



