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sábado, 25 de maio de 2024

ALERTA

 

Alerta
  
Grita filha !
uma aranha
Na brancura da parede
Que peçonhenta tamanha
Vai tecendo sua rede.
Grita filha !
Essa fobia
É protecção natural
Contra a aranha sombria
Que além de símbolo
é mal !
Grita com todas as forças !
Grita porque há mesmo perigo
Essa aranha uma cruz negra
é o pior inimigo.
Por meu amor não te cales !
Grita filha
Tua mãe
Impele-te pra que fales :
Contigo grito também !
Essa aranha que se estende
Tem o passo marcial
Com fúria que surpreende
O incauto em voz fatal.
Grita filha
O bicho imundo
Sai vertiginosamente
Da sombra vinda do fundo
Em veneno de serpente.
Tal a jibóia medonha
Enrola-se abraça o mundo
Pra ir crescendo em peçonha.
Introduz-se em toda a parte
Tudo corrói e desfaz
É inimiga da Arte
Do Ser Humano da Paz.
Grita filha !
Mas tão alto
Num grito tão verdadeiro
Que desperte em sobressalto
O que não quer ver primeiro.
Essa aranha pestilenta
Odeia a própria Cultura
Em fogueira que alimenta
Livro após livro censura.
Opõe à Humanidade
A sua força brutal
Por onde ela passa invade
Mata o constitucional !
É um monstro repelente :
Primeiro ataca o mais fraco
Para ir seguidamente
Oculta em cada buraco
Destruir a Liberdade.
Inimiga da diferença !
Grita !
Minha filha Grita !
Faz ouvir tua presença.
Aponta o bicho feroz
Mostra-o sacode os amigos
Com a força da tua voz !
Grita !
Esse enredo de perigos !
Grita filha ! Desta vez
Esse grito é racional
Porque essa aranha é o não
Ao direito Universal.
Sem medo abre tua boca !
Grita alto ! Grita forte !
Porque toda a força é pouca
Para lutar contra a morte.
Grita ! Grita minha filha
não te cales nunca mais :
não se veja outra Bastilha
Prendendo os próprios jornais !
Que teu grito seja infindo
Circule dê volta ao mundo
Jovem voz entusiástica
Erguendo o povo profundo
Contra a bandeira suástica.

  •  


     

Levantei voo de ti

 

Levantei voo de ti

segui rumo outro ocidente

em pura água te vi

Atlântico incidente

oceano que aprendi

a esquecer,

esquecer somente.


Procurei-te em maré alta

tão cheia de água redonda

que morro à sede por falta

do teu corpo em que se exalta

o espraiar de cada onda.


Onda maré de desejo

desta vontade de ter

não analógico beijo.

Mais um elo que ao prender

seja estuário ou o Tejo

nascente e foz a arder.


Ardentia, tom da água

ardência de amor que é meu

vem a onda traz mais mágoa

a levar-me contra a frágua

onde o amor se perdeu.


Perdição, historia de amor

sentimento, vida, dia

a pouco e pouco maior

a lembrar-nos o sol-pôr

desfeito na maresia.



Maresia, maré-vaza

aqui fico ébria de mar...

não regresso mais a casa

derradeiro golpe de asa

levou-me pra não voltar.

 

Marília Gonçalves  

 

 

 

 

 


 





Meu país meu bem, meu deus

 

Portugal vem-me buscar
Meu país meu bem, meu deus
Estende teus braços de mar
Leva-me a navegar
De volta aos caminhos teus.
Portugal vem à procura
De tua filha distante
Vê que me afundo em ternura
E de toda esta lonjura
Não há quem me desencante.
Portugal olha por mim
Estou pr’além dos Pirinéus
Minha dor não chega ao fim
E se pra tão longe vim
Foi por desdita dos meus.
Portugal, vem-me buscar
Meu país e meu amor
Olha meus braços abertos
onde só cabem desertos
Cheinhos da minha dor.
 
Marilia Gonçalves.
 

 
 
 



A cavalgar a poeira

 

Luz de minh’alma perdida

hoje nem sei o que sou

a sombra da minha vida

ou luz de voz que voou.


Sol ou montanha na neve

ou planície ao calor

negação da cor que teve 

a dimensão do amor.


Mas quando partindo, dias

vão cavalgar a poeira

de perdidas alegrias


Sou saudade toda inteira

fermento de poesias

seara em sonho às mãos cheias.






PAINEL

 

PAINEL


Trazia nela sinais

do nácar leve da tarde

perfume de laranjais

sonda vermelha, trigais

musical esfera de jade.


Longe vai, onda a rolar

leva a praia ao sol do dia

laranja da beira-mar

em fantástica elegia.


Há na cósmica aguarela

o tom leve de pincel

tal uma mancha amarela

a boiar na nossa pele.

 

 

 


 

 

 

 

 

 



violino verde

 violino verde

Um violino verde

atado aos dias

do estanho matinal

fecunda a elegia

do pranto vegetal.


Marilia Gonçalves

 


 

A ESFERA

        A ESFERA

Ao pé de mim sorria altisonanté

Foi a luz no meu olhar infante

Levada na mão do vento Norte

entre estrelas altíssimas subiu.


Vejo-a brilhar agora na distância

esfera de luz não volta mais

branda candura 

suavemente

poisou um dia na mão

tão brilhante transparente

ilusão...


Durante anos a esfera

iluminou-me olhos, a mão.

Nasciam versos dessa luz virente

sangue a fluir do coração.


Olhei-a na ternura de criança

A olhá-la cresci

fiz-me mulher.

Minha esfera d’esperança

não parava igualmente

de crescer.


Certo dia soprou o vento, forte

minha esfera de luz não resistiu

levada na mão do vento norte 

entre estrelas altíssimas subiu.


Vejo-a brilhar ao longe na distancia

a esfera de luz não voltou mais

como não volta mais a minha infância

d’inocência, cantos naturais.

é um poema mais

 ou é o grito!


Cada vez que lembro a esfera ausente

a acenar dos fins do infinito.