Páginas

Páginas

Páginas

Páginas

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

O Relógio da Torre

 

              O Relógio da Torre

Para quê saber o fundo da angústia

este uivo vendaval que cedo surpreende

para quê conhecer a hora da argúcia

quando voam gaivotas sobre corpo de sede.

 

Remoinhos nos olhos levantam pensamentos

onde folhas de Outono poisaram tristemente

o cofre das lembranças e o de sentimentos

deixam voar saudades a desfazer-se sempre.

 

Só uma badalada no pêndulo da torre

por uma hora magra breve que nos resta

enquanto sobre nós cada dia que morre

na espessura da noite vai cobrir a floresta.

 

O cantar de sereia vem do tempo de Ulisses

ou navio que se afasta na estridência do cais

a navegar a bruma duma ilha de Circe

no rouco som que parte para não voltar mais.

 

O perfume de Agosto sobe do fim do tempo

com risos a cantar e manhãs a nascer

mas são vozes do cofre que estão em movimento

ou retratos antigos a chegar pra nos ver.

 

Tudo quanto nos cerca tem o tom conhecido

da constante paisagem do que somos na vida

como oferenda eterna do eco pressentido

no timbre cor de mel que nos serena ainda.

 

Minutos de surpresa e continua a espera

vertigem de viagem no encontro dos dias

mesmo se o mês de Outubro nos cheira a Primavera

vão pairando no ar as velhas sinfonias.

 

A mão que nos segura vacilando fraqueja

o tempo tem limite tem portas e fronteiras

o instante sereno que nosso alento beija

vai desfolhar a flor de nossas sementeiras.

 

Somos ainda sol amarelo de Verão

uma praia aquecida no acaso da tarde

uma palavra solta na voz duma canção

uma fímbria de luz na breve imensidade.

 

Uma certeza só perdida inviolável

que nada trairá nem poderá vencer

o encontro perene de olhar inevitável

vestido de distância mas que nos faz doer.

 

O solitário apito um chamamento apenas

acena-nos de leve a esperada viagem

e nossas pobres forças humanas tão pequenas

vão subir o degrau da última coragem.

 

Marilia Gonçalves

 


 

 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário

O seu comentário espera moderação