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sábado, 17 de abril de 2010

falta-nos é reflexão e reflexo


O mês de Novembro aproxima-se. De que ano? Querem que diga? Ora digo sim senhor, não havia de dizer porquê, a data não tem nada a esconder, não anda vestida de mentirolas, o que nem todos podem dizer, a data assume-se muito bem a ela própria, com todos os anos que tem, mas se calhar é normal já teve tempo para aprender, nós é que estamos sempre condicionados pela falta de tempo, a data até já é feita de tempo, por isso não pode fugir de si própria , que a fugir de nós próprios, andamos todos os dias, a inventarmo-nos como não somos, ou porque gostaríamos de o ser, ou por ser o que outros esperam de nós, o que sempre esmorece uma pessoa, coitada, é muito triste não podermos ser quem somos, o que faz de nós assim umas coisas a parecerem-se com coisa nenhuma, mas voltando ao ano, sempre digo que é o de tomar novas resoluções, de olhar o caminho percorrido, pois parece este nosso andar muito negativo, a menos que dele sempre se vá tirando algum ensinamento que é também tudo o que se lhe pode tirar, tão escasso anda, lembra quase o vácuo a perturbar-nos o sistema humano de tal maneira, que quase nos esquecemos que somos humanos mesmo, ou não seremos, e temos apenas este aspecto vertical, só para podermos andar à chuva, sem nos molharmos tanto, como os que andam por vontade da natureza, de quatro apoios fincados no solo, talvez quem sabe, por nós andarmos pouco apoiados é que nos desequilibramos tanto, mas nisso não temos culpa nenhuma, que nos não pediram a opinião para nada, quando cá chegámos era assim e pronto, aprendemos a governar-nos, ou a desgovernar-nos, que mais faz pensar em desgoverno, este não saber bem ao que andamos, que até quem se anda a ressentir, são os jovens, que nem sabem ao que se hão-de agarrar, entretidos como nós andámos, a destruir tudo aquilo em que podiam acreditar, o importante mais uma vez foi salvar o porta moedas, mas a continuar assim, por aqui ficará ele, mas sem ninguém que o segure, parece afinal que o destino de tantos milénios de provações da humanidade, foi apenas para preservar a espécie dos porta- moedas, que a espécie que é a nossa, só se soube especializar, em tal e qual, o que seja dito em abono da verdade, se não fizesse chorar até dava vontade de rir, mas assim sendo, seria bom, se pudéssemos pensar mais umas pinguinhas, que anda a fazer falta, como a chuva no nordeste do Brasil e na África, que se sempre se pensasse mais, até isso podia ser solucionado, não era preciso incomodar Jesus, era só chamar os especialistas que sabem tão bem encanar o petróleo por baixo dos oceanos e mares, por esse andar, também podiam encanar os excessos de água de alguns lados para os outros onde faz falta, mas como há desemprego deve ser por isso , não têm gente suficiente para trabalhar e ficam à espera que chova, como chovia naquele dia, às portas do mercado de Faro, quando a Caia se abrigou rente às paredes, a ver se acabava o aguaceiro e impaciente exclamou: que seca, o que deu muita vontade de rir aos outros todos encharcadinhos que por lá se achavam ao mesmo, à mesma se diria pois temos que reconhecer que não passamos da cepa torta, não que faltem as cepas por esse mundo fora, é ver a variedade de vinhos que por aí há e de quem os beba e não ficam dúvidas nenhumas sobre o frutificar da prole de Baco, que já vem de longe o hábito e o costume, tanto andou, andou, para vir aterrar aqui, a encontrar-nos aterrados a nós, que lá em angústias não somos escassos, falta-nos é reflexão e reflexo, que é assim como quem diz um espelho de nós idos e vindos com a nossa história a doer nos dias alegres, pois a alegria sempre foi coisa procurada por rara se autêntica, e assim nos vamos iludindo sem a conhecermos bem, pior seria se não ríssemos nunca, a rir também se vai vivendo, há quem diga que o riso vale um bife, os tristes que hoje, mundo fora, vão morrendo à fome, não devem ter nunca ouvido isto, senão, sim agora, aqui é que a porca torce o rabo, principalmente quando não há porca nenhuma e lá fica um pobre a chuchar no dedo, que me está até a lembrar a D. Maria, ela bem sabe porquê, eu menos mal, muito obrigada, que a delicadeza não faz mal a ninguém, embora vá estando bastante fora de moda, mas nisto de modas só as segue quem quer, ou pode, não é preocupação minha vital, que para um vestido ser bonito ou feio, pouco se lhe dá quem o mandou ser como era , nem o dia em que deram o dito por não dito.


Marília Gonçalves

A TERNURA





Anda-me o vento nos beirais

É noite, avança a madrugada

E eu choro de saudade de meus pais

Da minha breve infância magoada.

Adeja a neve, sem Augusto Gil

A pesar ainda na lembrança

Dessa voz insurrecta e infantil

a declamar num grito pela criança.

Pudera adivinhar... mas antes não...

Foi mais feliz a inocência

Que esse clamor do coração

Abrangia toda a minha essência.

O sofrimento seria o quinhão

Que acolheria minha candura

Espelhando pra sempre em minha mão

Uma indelével fome de ternura.


Marília Gonçalves




Poeta que nome dar-te

Poeta que nome dar-te

Que melhor diga quem és

Nome de voo, de vaga

Nome de tantas marés

De tantos aluviões

De tanto riso perdido

Catadupa d’emoções

Sempre em combate renhido

Poeta, de tanta queda

De tanta ressurreição

Que escreves em linha recta

A tua contradição

Poeta de sempre sonhos

De mundos por levantar

De dois abismos risonhos

Desaguando em teu olhar

Poeta de tanta estrela

ou de noites de luar

Quando a palavra, aguarela

Te leva de mar em mar

Poeta que nome análogo

Posso chamar-te completo

Se conheces o diálogo

Que há na fundura do verbo

Se te vejo esbracejar

Contra o fantasma da forma

Conservando no olhar

O desrespeito da norma

Queria fazer-te justiça

Dar-te uma palavra exacta

Pra definir a preguiça

Na aridez que te mata

Dizer que tens da cigarra

O incessante labor

De transformar em guitarra

Cada pérola de suor

Por isso não sei que nome

Te dê maior que poeta

A ti que escreves amor

Na sua forma completa


Marília Gonçalves

Carlos Drummond de Andrade

Que pode uma criatura senão,
entre outras criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?