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quinta-feira, 22 de abril de 2010

Aonde foi a Casa


A casa de meus pais perdida há tanto
de risos e luar
de sol ardente
onde poisava meu olhar
contente
meu inocente olhar
alheio ao mal
que vem do sofrimento
meu terno e doce olhar
onde se via
sentir e pensamento...
Caíram noites sobre meu olhar
não noites como noites conhecidas
terríveis noites, noites sem sonhar
de monstros e de feras escondidas
noite sombria, noite de ameaça
onde todo o futuro se extinguia
Ó Noite do Terror que nunca passa
onde o nascer do dia não surgia
Foi uma longa noite repartida
por tudo o que é sensível e verdade
foi horrífica noite repetida
que gela o tempo e todo o espaço invade
uma noite de séculos, milénios
que ali em meio século se vivia
que abocanhava a arte, alunos, génios
noite que cada dia renascia
que cegava a palavra
ardia livros
tentava prender o pensamento
essa tremenda noite de agonia
quando até o tempo era cinzento.
Mas nas dobras da noite havia quem
alheio à realidade se escondia
e não via o pranto de ninguém
nem a terra e o luto que a cobria
foram tantos e tais esses vexames
tantas e tais afrontas se sofria
da negação da dor e sofrimento
que em cada Humano os astros implodiam
de ondulantes trigais à fome ao vento
e que em flâmulas a noite convertiam
caía aqui e ali um nosso irmão
como um sol se desfaz no horizonte
à espera da partícula de pão
que se reparta a rir de monte em monte.
Por isso se ouvia opresso grito
brado puro que canta a Liberdade
num alerta que enchia o infinito
num ideal de Paz e igualdade


Marília Gonçalves

Rua Actor Vale. Lisboa

Ó infância sorridente

tanta, tanta gente boa

e eu de todos tão crente.

Rua berço de meus passos

no teu quintal um jardim

escrevi os primeiros traços

do que eu própria fiz de mim.

Lembrança cofre memória

que me devolves a rir

páginas da minha historia

cravadas no meu sentir.

Rua Actor Vale. Meus pais

que eram sangue de Lisboa

infância do nunca mais

que ora alegra ora magoa.

Saudade sim mas tão viva

tão inteira sem ter fim

da minha casa perdida

do quintal que era um jardim.

Marília Gonçalves


Lisboa em águas de Tejo

vem desaguar-me na mão

cada verso é mais um beijo

saído do coração.

Lisboa cidade rosa

olhos caiados de sol

Ó asa de mariposa

em vozes de rouxinol.

Lisboa cidade rara

meu berço ninho ao luar

há sonoridade clara

no adormecer do mar.

Lisboa o céu incendeia

o teu brilho teu fulgor

como tela ainda cheia

da alma dalgum pintor.

.

Lisboa das Avenidas

pregões, ruas e mercados.

A vida de tuas vidas

flor silvestre, loiros prados.

Lisboa em ti eu deponho

na saudade que tu és

toda a imagem de sonho

do Tejo a beijar-te os pés.



Marília Gonçalves




Meu coração de poeta

nasceu em Lisboa um dia

numa cidade secreta

que há dentro da nostalgia.

Foi feito de largos gestos

de pais, de tios e de primos

E d’emprestados avós

onde cresceu embalado

por pregões que ainda havia

nesse tempo ignorado

que a Liberdade mordia.

Meu coração de poeta

que me deu voz muito cedo

olhos e mãos e carícias

ia soletrando medo

no meu Pais de polícias

Mas coração de poeta

tem asas e lesto voa

pra de repente cair...

Minha cidade Lisboa

poeta do meu sentir.

Calçadas, pedras e ruas

Praça do Chile, Avenidas

Arroios e seu mercado...

Desdobravam-se-te vidas

no teu chão amordaçado.

Mas Lisboa era Lisboa

um coração a nascer

descobre que ainda voa

mesmo se lhe faz doer.

Voavam jornais dobrados

pelas varandas adentro

dos meus olhos que guardavam

a poeira que em bailado

estremecia na janela

entre a luz do cortinado.

Lisboa era muito mais

era o Jardim Constantino

onde bandos de pardais

ensinavam o menino

o ardina sem jornais.

Mas ia muito mais longe

Lisboa não acabava

prolongava-se no ar...

Nas corridas das varinas

chinelas a dar a dar.

Minha Lisboa de cegos

tocadores de concertina

de carros e de morangos

ou de ciganas que às vezes

passavam a ler a sina...

Minha Lisboa poeta

nos meus olhos de menina!

Marília Gonçalves

Lisboa. Heróis de Quionga...

Havia frio do Natal.

Pela mão de minha mãe

Imaginava Natais

Natais de quem não os tem.

Lisboa não tinha ali

no vento fresco da rua

a luz a decoração

do Rossio da Baixa toda;

Mas na imaginação

cada montra já perdida

dava o enlevo que então

só nos dá a própria vida.

Havia quase um calor

no frio, que sabia bem.

Porque falava de amor

mesmo àqueles que o não têm.

As prendas pobres pequenas

tinham a força do riso

a forma do coração...

Nada mais era preciso

Havendo risos e pão.

Marília Gonçalves


Acima do país e da infância

de tudo quanto fui e que passou

ultrapassar do eco que é distancia

cidade a navegar no mar que sou

desenham-se fragatas no olhar

de quem partindo nunca regressou;

Lisboa a saber a mar

na sede que me ficou.

Atravesso tuas margens

meu rio minha juventude

cacilheiros e viagens

desses tempos em que pude

gravar na alma as imagens

No desferir de alaúde

fui levada na aragem

de vigor e de saúde.

Meu rio e minha cidade

o Tejo a espelhar canoa

espreita do alto o castelo...

Eu morro, ao dizer Lisboa.



Marília Gonçalves

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