Páginas

Páginas

Páginas

Páginas

domingo, 6 de outubro de 2024

ELA...

 

Na grade do tempo

fecharam as horas

a dançar no templo

das cem mil demoras.


 No templo vestias

 envoltas em véus

 por trás dos portais

 não olham os céus.


 Livres lá fora 

 murmuram as selvas

 do chão traiçoeiro

 ao cimo às alturas

 há vida aos roldões

animais e ervas

 orvalho frescuras.


  Por dentro do templo

dos portais fechados

há danças oferendas

a deuses calados.

 

  Marília Gonçalves 

 


 

 

Noite perdida... Um poema de António Feijó

 

29 abril 2011

Noite perdida...

Um poema de António Feijó


Coitado do rouxinol!
.
Passou a noite ao relento
do pôr ao nascer do Sol,
Sem descansar um momento,
Sempre a cantar, sem dormir,
Absorto no pensamento
De ver uma rosa abrir...
Coitado do rouxinol!
Passou a noite ao relento,
Do pôr ao nascer do Sol,
Sempre a cantar, sem dormir...
.
Mas o mísero, coitado!
Cantando tão requebrado,
Com tal cuidado velou,
Que adormeceu de cansado,
os olhos tristes cerrou
No minuto, no momento
Em que, ao luar e ao relento,
A rosa desabrochou...
.
Coitado do rouxinol!
.
Com tal cuidado velou,
Do pôr ao nascer do Sol,
E tanto, tanto cantou,
A noite inteira ao relento,
Que, de fadiga e tormento,
Sem descansar, sem dormir,
Fecha os olhos, perde o alento,
No minuto, no momento
Em que a rosa vai abrir...
.
Coitado do rouxinol!"
.
António Feijó

Pálida e Loira António Feijó

 

         Pálida e Loira

Morreu. Deitada num caixão estreito,

pálida e loira, muito loira e fria,

o seu lábio tristíssimo sorria

como num sonho virginal desfeito.

 

Lírio que murcha ao despontar do dia,

foi descansar no derradeiro leito,

as mãos de neve erguidas, sobre o peito,

pálida e loira, muito loira e fria.

 

Tinha a cor da raínha das baladas

e das monjas antigas maceradas

no pequenino esquife em que dormia.

 

Levou-a a morte em sua garra adunca,

e eu nunca mais pude esquecê-la, nunca!

pálida e loira, muito loira e fria.

 
 

                                                             António Feijó

Alma minha gentil, que te partiste

 

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

                                                     — Luís de Camões, Rimas (1595), Soneto XIII.