Páginas

Páginas

Páginas

Páginas

sexta-feira, 14 de junho de 2024

em Lisboa um dia

 

Meu coração de poeta

nasceu em Lisboa um dia

numa cidade secreta

que há dentro da nostalgia.

 

Foi feito de largos gestos

de pais d tios e de primos

mais de emprestados avós

onde cresceu embalado

por pregões que ainda havia

nesse tempo ignorado

que a Liberdade mordia.

 

Meu coração de poeta

que me deu voz muito cedo

olhos e mãos e carícias

ia soletrando medo

no meu Pais de polícias.

 

Mas coração de poeta

tem asas e lesto voa

pra de repente cair...

Minha cidade Lisboa

poeta do meu sentir.

 

Calçadas, pedras e ruas

Praça do Chile, Avenidas

Arroios e seu mercado...

Desdobravam-se-te vidas

no teu chão amordaçado.

 

Mas Lisboa era Lisboa

um coração a nascer

descobre que ainda voa

mesmo se lhe faz doer.

 

Voavam jornais dobrados

pelas varandas adentro

dos meus olhos que guardavam

a poeira que em bailado

estremecia na janela

entre a luz do cortinado.

 

Lisboa era muito mais

era o Jardim Constantino

onde bandos de pardais

ensinavam o menino

o ardina sem jornais.

 

Mas ia muito mais longe

Lisboa não acabava

prolongava-se no ar...

Nas corridas das varinas

chinelas a dar a dar.

 

Minha Lisboa de cegos

tocadores de concertina

de carros e de morangos

ou de ciganas que às vezes

passavam a ler a sina...

 

Minha Lisboa poeta

nos meus olhos de menina!

 

 

 

 

 


             

À Querida memória de minha Avó

 

À Querida memória de minha Avó
 
 
No teu quarto minha avó
havia um mundo secreto:
perfume de pão-de-ló,
rendas de bilros no tecto,
na mesa de cabeceira
o candeeiro redondo
duma luz opalescente...
nunca soube se essa luz
era luar que descia
de teu olhar sorridente.
Tinhas os olhos azuis...
isso de estrelas de luas
perdia-se facilmente
na escuridão que há nas ruas
para vir suavemente
habitar ao pé de ti...
e eu, sorria contente
do sonho que aí vivi.
Ah, o mundo da infância
nos cuidados da avó
deslizava brandamente.
Também no teu quarto havia
armários e gavetas
e a caixa de costura
cantos de prata esculpida
que teu irmão um artista
inventara para ti.
Na magia do teu quarto
acordavam meus sentidos
havia um cheiro encerado
nos móveis adormecidos.
O meu sentir esfuziante
bem desperto e acordado
descobria tua essência
no gesto de cada instante:
havia uma transparência
uma mágica ternura
trazendo à nossa presença
o que parecia lonjura.
Tudo era compreensão
no espaço do meu sonhar...
sobre minha, tua mão
era canção de embalar.
Desapareciam os medos
iluminava-se a sombra.
Adormecia em teus dedos
minh’alma branca de pomba.
 
 

 
 
 
 


avozinha

 



 

Que saudades avozinha

dos contos que me contavas

quando eu ainda menina

nada sabia do tempo

e soltava minhas asas

entre sonho, pensamento.

Na tua voz me embalavas

os contos brandos macios

na voz em que mos contavas

era entre grave, serena.   

A tua mão branca fina                             

poisava sobre a morena

cabeleira da menina.

 

Sentada numa cadeira

feita por teu irmão Zé

que conhecia a maneira

de transformar de moldar

com arte, sabedoria,

dos que domam a canseira

a fazer de noite o dia

sentada nessa cadeira

teu conto era mais verdade

havia na brincadeira

algo de seriedade.

 

No agrado de meus olhos

ao sorrirem para ti

não inventavas passado

o futuro era ali.

 

Presa nas tuas palavras

no azul que havia em ti

brincavam as tranças loiras

que ainda tens na memória...

teu conto era a vida inteira

tua vida, minha história.

 

Os anos foram passando

mas vejo o mesmo sorriso

a pairar sobre meu leito...

Meu pequeno paraíso

no teu quarto branco estreito

onde havia o mais preciso.

 

Ainda hoje estás sentada

na mesma eterna cadeira

embalo da meninice

a minha vida primeira:

A ternura do sorriso

que voltavas para mim

transportou-me a sábio mundo

onde o sonho principia

e começa o imaginário.

 

A volta do tempo ido

é que me trouxe ao que sou

entre o riso ou o gemido

o meu olhar não mudou.

 

Vejo tua mão na minha

acariciares-me a testa.

 

Ó minha querida velhinha

ser menina era uma festa.

Agora mulher e mãe

a tua lembrança doce

o teu vulto ao pé de mim

constróem meu dia de hoje...

A fazer-me ser assim!

 

 

 

Saudade sim mas tão viva

 

Rua Actor Vale. Lisboa

Ó  infância sorridente

tanta, tanta gente boa

e eu de todos tão crente.

 

Rua berço de meus passos

no teu quintal um jardim

escrevi os primeiros traços

do que eu própria fiz de mim.

 

Lembrança cofre memória

que me devolves a rir

páginas da minha historia

cravadas no meu sentir.

 

Rua Actor Vale. Meus pais

que eram sangue de Lisboa

infância do nunca mais

que ora alegra ora magoa.

 

Saudade sim mas tão viva

tão inteira sem ter fim

da minha casa perdida

do quintal que era um jardim.

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 


A vida de tuas vidas

 

Lisboa em águas de Tejo

vem desaguar-me na mão

cada verso é mais um beijo

saído do coração.

 

Lisboa cidade rosa

olhos caiados de sol

Ó asa de mariposa

em vozes de rouxinol.

 

Lisboa cidade rara

meu berço ninho ao luar

há sonoridade clara

no adormecer do mar.

 

Lisboa o céu incendeia

o teu brilho teu fulgor

como tela ainda cheia

da alma dalgum pintor.

.

 

Lisboa das Avenidas

pregões, ruas e mercados.

A vida de tuas vidas

flor silvestre, loiros prados.

 

Lisboa em ti eu deponho

na saudade que tu és

toda a imagem de sonho

do Tejo a beijar-te os pés.

 

 


 


OS NOSSOS PAIS

 

AO Luís Meu mano
 
Ainda antes que laivos da aurora
Viessem colorir o fim da noite
Ouvia-vos trilar alegremente
A nossa casa repleta de repente
De riso juvenil claro candente
Despertava os olhos que cerrados
Se rendiam a risos compassados.
As décadas que cobriam vosso passo
Começado muito antes do meu
Traziam Julietas pelo espaço
E tu meu pai idílico Romeu.
A gargalhada que corria a casa
Era uma lição contra a tristeza
E o sofrimento era pronta asa
Que se fundia na História Portuguesa.
Perfumava-se a casa de café
Crianças ouviam-se cantar
Nossos meninos que de pronto a pé
Traziam a Aurora nos seus lábios
Cresceram tanto décadas passadas
Que ultrapassaram os risos dos avós
Mas trazem eco da vida florescente
Que semearam para sempre em nós.