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segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Vem musa solta o grito do poeta o RIBEIRINHO

 

A Duplicidade do Poema


Vem musa solta o grito do poeta

Que perdeu voz

no espelho onde se vê

 a infância repleta

De dias hoje sós. 

Há muito o muro antigo

Se esfumou

De alegre vaguear

Quem sabe o caminho

Onde ficou

Sua voz a cantar


Num mês de Junho

em domingo de luz

Entre dias de escola

Os olhos nus

De letras e de livros

Espalhei no campo o meu cantar

De riso aberto

Como água a saltitar

Na sede de um deserto

Olhava as coloridas flores

Que vestiam o dia

Como a minha alegria.

Em redor voava a passarada

Trilos soltos no ar

Eu era um passarinho

A cotovia rara

De rendas e de folhos

Com uma gargalhada nos meus olhos

Gazela livre, a correr entre prados

Ouvia guizos

De manadas, rebanhos

era mais uma corça a correr entre gamos.

.

Além, a poucos passos de um adulto

Ficava o claro ribeirinho

Com águas a cantar

Perfumava o caminho

E enchia de luz o meu menino olhar.


Que manhã tão alegre

Esvoaçava a brancura dos vestidos

alvas rendas

eram asas de borboletas

Nos meus oito anos coloridos.


Mas nisto, em corrida acelerada

Sem ver, ouvir, mais nada

Além do ribeirinho

Lancei-me no caminho


A distância das passadas primaveris

Que são as da infância

São menos largas

Que caminhar dos pais

De adultos passos...

Longo caminho

Saltar de passarinho

Que nada vê

E vai num burburinho

Procurar em remoinho

O que antevê


Mas o caminho

Sempre tem logros e ardis

Lamaçal, ratoeiras

Ciladas vis...

E o vestido branco

De asa a esvoaçar

Num instante ficou

De triste e denegrido

Só vestido de vasa.


E tive o meu castigo

Não merecido

Uma sova no espanto...


Ao longe cantava o ribeirinho

A reflectir o meu amargo 

Inexplicável pranto.


Marília Gonçalves




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