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terça-feira, 17 de setembro de 2024

poemas à solta















Olhos de trigo a voar


sobre a miséria e a fome


sem saberem germinar


entre as mãos de quem não come


espanto de sonhar o pão


ou ser leite maternal


transformar-se em coração


num mundo sem ideal!


sonho de trigo, campina


futura seara ao vento


pr'a levantar mais acima


o amor e o pensamento.






Marília










Vem da memória do tempo


o gesto do meu dizer


e cai ao bafo do vento


a certeza do meu ser




vem da distância perdida


o olhar que espanto tem


dentro em mim trago perdida


história que da história vem.






Marília








Nas mãos que trabalham


há mil gestos que se repetem


e continuamente


vão transformar o mundo


na forma desconhecida


experimental




Marília




















Menino da Beira Mar






Menino da beira-mar


de búzio na mão estendida


que mundos no teu olhar


que luz, que sombra, que vida.




Chegas o búzio ao ouvido


atento escutas o mar


menino de olhar perdido


estás vivo, sabes sonhar.




Caminhando pela praia


ágil em total nudez


levas a cabeça cheia


de contos. Era uma vez...




Menino da beira-mar



partilha o búzio comigo


vamos lutar contra a mágoas


meu menino, meu amigo.







Marília










Numa lágrima aprofundo


os teus olhos e o mundo




há na lágrima infantil


uma sonda universal:


ver chuva no céu de anil


não é decerto normal






quando a lágrima reflete


mais do que o passo aprendido


e que a criança repete


mesmo que tenha caído






Quando há o mar infinito


que atravessou tantos sóis


que os olhos dum pequenito


trinam mortos rouxinois




Ah! Então ó maravilha


deste vil deslumbramento


na lágrima minha filha


desagua o pensamento




Marília




Grita


a escuridão


que trazes dentro de ti


grita


os cálidos dias que não voltam


os pássaros emudecidos que não cantam


as fontes entorpecidas que não correm


as manhãs adormecidas que não nascem


as noites que habitam o teu espanto


os silêncios que te calam a dor


Grita! Grita! Grita:


por esse so que em ti se está a pôr....


Grita o grito mudo dos dias que não correm


e escuta o eco do silêncio:


os pardais cantam indiferentes


ao teu sofrimento sem luar...


as fontes gorjeiam sóis a saltitar


as noites tropeçam nas estrelas


o eco não captou a tua dor!?


Na estagnação do insuportável


tudo continua à tua volta




Marília






Provemos aos mortos que não os traímos


devolvendo aos vivos a terra dos vivos.




Sidónio Muralha




O assobio do comboio


o assobio da menina


o assobio da cafeteira


o assobio do ardina


o assobio do vendaval


o assobio da serpente


o assobio de quem passa


na angustia que há na gente.




Marília






A porta bateu? Ou bateram à porta? Quando a porta bate é porque há corrente de ar. E quando batem à porta qual é a ideia corrente? São ladrões. Não de portas. E nem os ladrões batem à porta nem as portas batem nos ladrões. E a porta tem corrente. Mas não corre, porque se corresse a porta não era porta, era corredor. E o corredor nunca fica à porta. Entra sempre.


Ou sai. Mas quando sai, sai a correr. Quando entra, não. Entra só corredor e nós às vezes é que corremos para entrar. E Saímos pela porta que bate antes antes dela bater porque senão pode bater-nos a nós. E ficávamos sem a voz com o susto. Porque se ficássemos com o susto e com a voz não se diria de nós que foi a porta que nos bateu por causa da corrente de ar. Podia dizer-se que o ar nos deu e fomos bater à porta.;


A porta bateu? Ou bateram à porta? A culpa foi do ar que não faltou. Se o ar faltasse não havia corrente e o corredor não saia a correr nem entrava a porta porque lhe faltava o ar.


Assim a culpa é do ar se a porta não bateu nos ladrões que não bateram à porta. Entao porque diabo é que a porta bateu?




Marília
















A cal esqueceu o azul


e a folha emurcheceu


o norte abraçou o sul


choveu.


Irisou-se a pedra informe


ou dividiu-se ou cresceu


a transformar esta fome


no ser dúbio que sou eu.




Marília


















A dor não é colorida


não tem peso não tem voz


por isso não há medida


pró que trazemos em nós




Marília










o lume é que dá à treva


pétalas a florescer


lágrimas azuis que tecem


os meus braços de mulher




Marília








vindo do tempo


dos templos


do alabastro


amadis


alagou


de branco véu


o álamo


onde a alba


aleava


encantos


tantos


que o enluarado


damo


de dardo


sanguinolento


na anémona sombria


entoa sons de alude


num sobressalto de adaga.


Ó amadis


quem te diz


que é raiz


o dardo teu?


semente ou lume


ou navio


alado será o rio


do teu desejo amadis


será o dardo o alento


no teu dúbio movimento


mas não fará o que diz








































































































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